Os mestres universais do desenho sempre veneraram o impulso do primeiro traço caracterizado pela sutil sensualidade do gesto que leva o desenhista a se exprimir velozmente na exatidão da imagem instantânea. Esta imagem, comparada com a opulência cromática de um quadro, resulta num despojamento total do espaço e da composição, em benefício do ímpeto originário do artista em seu primeiro gesto no espaço, escapando às limitações impostas pelo tema. Ultrapassado esse limite, o desenho representa, ao mesmo tempo, uma refinada elaboração mental e principalmente, a gramática do gesto orgânico.
Existem no mundo, e não é ao acaso, imponentes museus especializados nos mestres do desenho de todas as épocas, que coletaram durante séculos os croquis, os esboços e os estudos desses gênios atemporais, como forma de comprovação, para a posteridade, de como suas obras foram germinadas, concebidas.
Presentes em todos os períodos de sua vida de trabalho, os desenhos de Portinari representam um diário minuncioso de todas as soluções e evoluções imaginárias de sua obra. Inclusive naquele longo período em que esteve impedido de fazer uso das tintas, por questões de saúde. Durante esse período, como única opção diante de sua voracidade inventiva, seus desenhos adquiriram momentos de explosão total.
Eles eram seus guias espirituais no desenvolvimento de temas imediatos e futuros, anotações anímicas para soluções telúricas. Retratando os pés e as mãos da realidade árida, registra vidas, desespiritualizadas pela luta da vida, pela dura hora de suas destinações. Porém sua fé na alma do homem prevaleceu, em realidade, como seu axioma primeiro. O homem foi desde sempre a questão fundamental de Portinari.
A preocupação mais nítida de seu expressionismo manifestou-se o tempo todo dentro de seu veemente protesto social-humanista.