quinta-feira, maio 24, 2012



MOSAICO

Telepático sentir do teu querer
Meu amor é um transatlântico
A navegar pelos teus mares
Sentindo os teus sabores
E o gosto, gozo fantástico
Da boca macia do amanhecer...
Metáfora
 
Uma lata existe para conter algo
Mas quando o poeta diz: "Lata"
Pode estar querendo dizer o incontível

Uma meta existe para ser um alvo
Mas quando o poeta diz: "Meta"
Pode estar querendo dizer o inatingível

Por isso, não se meta a exigir do poeta
Que determine o conteúdo em sua lata
Na lata do poeta tudo/nada cabe
Pois ao poeta cabe fazer
Com que na lata venha caber
O incabível

Deixe a meta do poeta, não discuta
Deixe a sua meta fora da disputa
Meta dentro e fora, lata absoluta
Deixe-a simplesmente metáfora

Gilberto Gil


 
 
Primavera nos Dentes
 
“Quem tem consciência para ter coragem
Quem tem a força de saber que existe
E no centro da própria engrenagem
Inventa a contra mola que resiste
Quem não vacila mesmo derrotado
Quem já perdido nunca desespera
E envolto em tempestade decepado
Entre os dentes segura a primavera”

João Ricardo e João Apolinário

quarta-feira, maio 23, 2012

 
Cogito

eu sou como eu sou
pronome
pessoal intransferível
do homem que iniciei
na medida do impossível

eu sou como eu sou
agora
sem grandes segredos dantes
sem novos secretos dentes
nesta hora

eu sou como eu sou
presente
desferrolhado indecente
feito um pedaço de mim

eu sou como eu sou
vidente
e vivo tranquilamente
todas as horas do fim.

Torquato Neto

domingo, março 25, 2012



A MENININHA COM BRINCO DE PÉROLA

Escrevo este brinco que você disse
De cores variadas e montagem engendrada por mãos hábeis
Tipo um Matisse
Por vezes não compreendido ou depreciado pelas mentes débeis
Que crescem nas trevas das terras estéreis, num ventre seco abaixo da superfície
Entre o lodo e escuro barro
Onde se fez o escarro do escárnio
A sujeira e imundície.

PF/RS 45ºC

Miragens no calor do verão:
Teus lindos e durinhos peitinhos suados
Encontro-te com minha mão
Deslizando-a por tua pele e cabelos molhados
Engulo-te com meus olhos, minha língua e boca faminta
Aperto-te às vezes com força a fim de que me sinta
Beijo-te e mordo teu lábio
Tu és minha borboleta e eu teu sábio chinês.

Nothing's gonna change my world
Nada vai mudar meu mundo

Palavras desconexas flutuam como uma fria chuva fina sem fim dentro de uma taça de cristal
Elas vibram enquanto deslizam através do Universo
Piscinas de mágoas, ondas de alegrias passando por minha mente, coisas e tal
Possuindo e acariciando o verso.

Trem no trilho trágico
Trinca na mega
Número mágico
Pode correr que não me pega
E se pega não leva, não sou brinquedo de plástico
Mesmo acertando não ganha
Mesmo batendo apanha.
Uns têm esperteza
Outros têm a manha.

Muitos têm tão pouco e poucos têm tanto
Pontes entre o aqui e agora
Espaço tempo acessado pelo pensamento
Refinamento do processo cognitivo
O Universo me chamando para ir embora.

terça-feira, fevereiro 07, 2012


O Andaime


O tempo que eu hei sonhado
Quantos anos foi de vida!
Ah, quanto do meu passado
Foi só a vida mentida
De um futuro imaginado!

Aqui à beira do rio
Sossego sem ter razão.
Este seu correr vazio
Figura, anônimo e frio,
A vida vivida em vão.

A esperança que pouco alcança!
Que desejo vale o ensejo?
E uma bola de criança
Sobre mais que minha esperança,
Rola mais que o meu desejo.

Ondas do rio, tão leves
Que não sois ondas sequer,
Horas, dias, anos, breves
Passam — verduras ou neves
Que o mesmo sol faz morrer.

Gastei tudo que não tinha.
Sou mais velho do que sou.
A ilusão, que me mantinha,
Só no palco era rainha:
Despiu-se, e o reino acabou.

Leve som das águas lentas,
Gulosas da margem ida,
Que lembranças sonolentas
De esperanças nevoentas!
Que sonhos o sonho e a vida!

Que fiz de mim? Encontrei-me
Quando estava já perdido.
Impaciente deixei-me
Como a um louco que teime
No que lhe foi desmentido.

Som morto das águas mansas
Que correm por ter que ser,
Leva não só lembranças —
Mortas, porque hão de morrer.

Sou já o morto futuro.
Só um sonho me liga a mim —
O sonho atrasado e obscuro
Do que eu devera ser — muro
Do meu deserto jardim.

Ondas passadas, levai-me
Para o alvido do mar!
Ao que não serei legai-me,
Que cerquei com um andaime
A casa por fabricar.


Fernando Pessoa, in "Cancioneiro"



Impressões Oníricas


Alguém aí pode me dizer dizer?
Mais vale ser aquele que vê o mundo acordado,
Ou o que em sonhos foi se perder?

O que é verdadeiro? O que mais será...
A mentira que há na realidade,
Ou a mentira que em sonhos está?

Quem está da verdade mais afastado —
Aquele que em sombra vê a verdade
Ou o que vê o sonho iluminado?