quinta-feira, agosto 04, 2016


Pornopolítica
O filme pornô não tem alegorias e simbolismos

Arnaldo Jabor
13/10/2015 - Jornal O Globo

Tenho escrito muito sobre a pornopolítica brasileira. Que relação tem ela com os filmes verdadeiramente pornográficos?
Atualmente, come-se o Brasil como se comem as pornoatrizes. No filme pornô não se esconde nada, é tudo explícito. Os neocorruptos políticos de hoje também são explícitos. Os crimes políticos são cometidos sem culpa, como nos filmes pornográficos. Ninguém se envergonha mais de nada. O filme pornô estende sua luz para nos ajudar a entender o Brasil.
Na internet, nas TVs, há uma grande congestão de putaria. Nunca se viu tanta sacanagem, no sexo e na politica. Os filmes pornô são uma grande indústria que hoje movimenta bilhões de dólares. Tem até Oscar de filme pornô. Este ano houve grandes premiados em uma festa iluminada: “Bunda 2”, “Elas preferem anal”, “Bocas gulosas”. “Borboneca tarada” e “ A bunda manda e o bundão obedece”. A política também movimenta bilhões com bocas gulosas e mãos grandes para desconstruir nossa indústria.
Há um grande despertar de pornografia e de corrupção não só no Brasil, mas no mundo todo. Creio que é resultado da urgência de compensações de prazer e poder diante da vida desolada que se dilui em tragédias e óperas bufas. O despudor é fruto de uma aceleração do tempo também. Não dá mais tempo para a honestidade, não há mais tempo para o amor. O amor não se vê, a pornografia sim. O amor idealizado acabou; a sexualidade é mais imediata. Ninguém se masturba por amor.
O filme pornô aspira à visibilidade total dos corpos. Na política atual há a visibilidade total de todos os malfeitos e nada acontece, pois nada acontece e nada aconteceu. Nada prova nada. A visibilidade é cada vez maior e diante dela lamentamos nossa impotência. A politica aspira à mentira e o filme pornô busca a verdade absoluta do sexo. Até onde pode ir o prazer? Como atingir o orgasmo absoluto. Um orgasmo que explique o mundo. A pornopolítica explora nossas fantasias populistas, a pornografia programa nossos desejos secretos. Antigamente, as masturbações eram literárias, exigiam imaginação do doce punheteiro e muito contribuíram para a literatura nacional; hoje a masturbação é parte de um “stream” digital que programa nossos desejos. O filme pornô faz tudo visível, nada se nega, tudo se exibe para ocultar com os corpos nus a fragilidade de suas vidas. O filme pornô quer nos mostrar o impossível — os atores nos mostram tudo, até o interior de suas vaginas e ânus, só não mostram seus medos. Mostram tudo para não mostrar nada.
Já no Brasil, a política prova que o impossível acontece, como por exemplo destruir a maior empresa do país num recorde mundial de roubalheiras. Na pornografia há ausência de pecado ou de culpa; na corrupção também — ninguém tem culpa, ninguém fez nada, ninguém sabe de nada...
Antes, a pornografia era vista secretamente, pelos cantos escuros; hoje a pornografia é uma luz geral que nos cega. Em meio a tantas frustrações populares, a pornografia é um consolo. A pornografia estimula; a politica deprime. No pornô ninguém tem vergonha; em Brasília também não.
A pornografia sempre houve; em Pompeia vi bordeis de mil anos. Mas a pornografia não muda só no tempo — muda no espaço. A pornografia é geopolítica. A pornografia americana é muito diferente da brasileira. Uma vez perguntei a um produtor de sacanagem: qual a diferença entre o pornô americano e o pornô brasileiro? Ele sentenciou: a fome.
O filme americano mostra o sexo como luxo, como um excesso de civilização e de liberdade. No pornô brasileiro não há excesso — só carência. As mulheres parecem vítimas, sacrificadas com tristes gemidos . Os atores americanos trabalham por um prazer perverso; os atores brasileiros por um prato de comida. O pornô brasileiro é social, é politico. O pornô americano é existencial. Nos pornôs brasileiros não há “décor”. Tudo se passa em quartos tristes, sofás rasgados e apartamentos sem pintura. O americano brilha em luxuosos bordéis.
Mas afinal, o filme pornô é documentário ou ficção? Os atores trepam na ficção. Mas o filme pornô, mesmo quando encena uma ficção, é um documentário. Ali, nada é mentira, e tudo o é.
O filme pornô é contra o cinema psicológico; quem evolui dramaticamente é o espectador até o clímax.
O filme pornô não tem história, enredo, como os filmes de vanguarda, mas faz sucesso de público.
O filme pornô não tem começo nem fim — só tem o meio.
O filme pornô não tem alegorias e simbolismos. Um pau não sugere um poder “fálico”, um sonho de fertilidade. Um pau é um pau é um pau. O filme erótico “softcore” é hipócrita. O “hard core” é realista e corajoso. A única diferença entre os dois é: há ou não há penetração?
O filme pornô provoca inveja do pênis; em vez de ver a cena, somos humilhados pelos pirocões gigantes.
Os filmes pornô ostentam uma liberdade intolerável que ninguém tem. O filme pornô não deixa nada a desejar. Os orgasmos são tão triunfais que nos dão angústia de morte.
Depois de vermos um filme pornô ficamos tristes. Ficamos sozinhos, excluídos em pânica solidão, de mãos pensas. É o vicio solitário, como chamavam os padres punheteiros.
Com a crescente desesperança, busca-se o óbvio, a coisa pela coisa, do sim pelo sim. Na pornopolítica, como na pornografia, nada é metáfora. Pau é pau, ladrão é ladrão, mesmo de cabelos pintados de acaju ou de preto.
Às vezes pinta uma grande arte no pornô; no “Garganta profunda” há um close antológico de Linda Lovelace, em que ela termina um boquete, um “blow job” em um imenso minhocão e ergue o rosto cheio de lágrimas, na cruz de um pênis gigante, como a Falconetti em “A paixão de Joana d’Arc”, de Dreyer.
Em suma, a pornopolítica é ruim; a pornografia é boa.