O Último Grau de Perfeição Costuma
Ser o Primeiro na Ordem da Corrupção
Os que crêem que sabem mais que os
outros, ou se enganam, ou se persuadem bem: se se enganam, o mesmo engano lhes
serve de ludíbrio; se se persuadem bem, a vaidade da ciência os faz tão
ferozes, e severos, que ficam sendo insuportáveis. A ciência humana comummente
se reveste de um ar intratável; imagem tosca, desagradável, e impolida. A
especulação traz consigo um semblante distraído, e desprezador; quanto melhor é
uma ignorância educada. Toda a ciência se corrompe no homem; porque este é como
um vaso de iniquidade, que tudo o que passa por ele, fica inficionado: as
coisas trabalham por se acomodarem ao lugar donde estão, e por tomarem dele as
propriedades, só com a diferença, de que as cousas boas fazem-se más, porém
estas não se fazem boas. Nas sociedades, o mal é mais comunicável; a perdição é
mais natural; o que é bom, mais depressa tende a perder-se, que a melhorar-se;
os frutos da terra quando chegam ao estado de maturidade, nem persistem nele,
nem retrocedem para o estado de verdura; antes caminham até que totalmente se
arruinem; por isso o último grau de perfeição, costuma ser o primeiro na ordem
da corrupção.
Matias Aires, in 'Reflexões Sobre a Vaidade dos Homens e Carta Sobre a Fortuna'