Quem quer que tenha presenteado o adolescente Ian Kevin Curtis com a obra "Antes de Hitler Chegar", provavelmente não conhecia os ensinamentos de Lévi. Este obscuro livro, foi escrito por um ocultista alemão ainda mais sinistro e obscuro que sua obra. Rudolf van Sebottendorff redigiu o livro no final de 1933, tão logo os nazistas subiram ao poder.
A obra relata com riqueza de detalhes como eles chegaram ao poder por meio do paganismo esotérico que tanto encantava figuras proeminentes como Heinrich Himmler, Arthur de Gobineau e Rudolf Hess. Afirma com todas as letras que o destino de Hitler e do Reich foi traçado dentro da Maçonaria da Baviera; Sebottendorff, um iniciado da tradição maçônica de Memphis sabia do que estava falando, tanto que os nazistas confiscaram o livro e mandaram-no para a prisão.
Antes de Hitler Chegar foi o ponto de partida que levou Curtis a se interessar pelo ocultismo; encontrar-se e conhecer a si mesmo, e que também o levaria à ruína. A primeira edição da obra que depois da apreensão pelos nazistas foi revisada, continha muito material de conteúdo eugenista.
Como epiléptico, Curtis buscou de todas as formas se germanizar, arianizar-se como o amigo e companheiro de banda Bernard Sumner (que modificou o sobrenome para Albrecht para soar mais alemão). A paixão de Curtis pela Alemanha nazista não se resumiu a tocar o hino alemão em seu casamento; a atmosfera do expressionismo nem mesmo a idéia de inspirar-se nas roupas da SS para compor o visual da banda em cima do palco.
O nome da banda, teoricamente tirado do romance sadomasoquista House of Dolls de Karol Cetinsky, foi na verdade "revelado" durante uma sessão Ouija em que Curtis, Sumner e um amigo de nome desconhecido tentavam estabelecer contato com o espírito de Adolf Hitler.
Quando um jornalista do extinto semanário musical inglês Melody Maker pediu a Curtis que fizesse um breve resumo de House of Dolls, percebeu que ele jamais havia lido a obra; pelo menos não tanto quanto filosofava sobre ela, já que trata-se de um ponto de vista moral um tanto quanto estranho – tendo sido escrito por um judeu.
Quando a Alemanha foi campeã na Copa do Mundo de 1974, Curtis mesmo sem um tostão no bolso se virou para conseguir uma camisa da seleção alemã em que no lugar do tradicional escudo da Bundesliga, havia um sol negro, sobreposto sobre a bandeira alemã. As pessoas que cercaram Ian Curtis desde a infância e mesmo em seus últimos dias não sabiam de onde ele havia tirado semelhante paixão platônica pelo germanismo.
Ele jamais se preocupou em responder as acusações de que a banda nutria algum tipo de simpatia pelo nazismo. Tampouco seus companheiros de banda se importavam com isso; na década decadente em que cresceram e viram a velha Manchester, símbolo e berço do mundo industrializado transformar-se num ninho de imigrantes vindos das ex-colônias do Império Britânico; tomada pela desolação, pelo medo e falta de persperctivas para os jovens; o que não faltava era gente que via num extermínio em massa de raças inferiores, a resposta para os problemas que os afligiam. Mas é improvável que ele fosse atraído particularmente pela execução dos judeus, mas sim pelo valor esotérico das idéias do Reich.
A sensação de encantamento mudou quando Curtis se deu conta que sua "fragilidade genética"; incapaz de praticar esportes competitivamente, não era exatamente um gênio no colégio e sua instabilidade afetiva, faziam dele um espécime descartável, desprezível, e que se ele realmente acreditava que a solução final, a busca pela compreensão e perfeição da espécie humana que tanto seu estudo cativava-o, deveria começar por ele, o extermínio daquilo que emperrava a evolução; independente do que isso significasse para ele.
"Não poderia deixar genes ruins" disse certa vez para P-Orridge durante uma bebedeira - (embora tivesse a pequena Natalie com menos de 1 ano de idade). Faz sentido e não faz ao mesmo tempo. É necessário respeitar alguém que se considere um incapaz desolado, e tenha a coragem de por fim a sua existência. Ao mesmo tempo em que lembramos que ele era tido como egoísta, manipulador, auto-centrado, amoral, perfeccionista ( alguém aí pensou Satanista ? ) pela esposa e pelos companheiros de banda.
P-Orridge, líder do Throbbing Gristle e conterrâneo de Curtis era o único com quem ele tinha esse tipo de conversa mais "filosófica". Num artigo publicado por ele há alguns anos atrás, P-Orridge pisa em ovos para contornar a situação e tenta não ofender aqueles que gostariam de saber mais sobre as crenças de Curtis.
Quando questionado se o livro que inspiraria o filme-biografia de Curtis escrito por Deborah Curtis deixava de mencionar algo importante da vida de Ian, ele dispara: "Ficou faltando tudo. É a visão magoada de mulher traída, esposa infeliz e relegada a segundo plano na vida de Curtis que ela aborda. Ela jamais conheceu o labirinto pardo-cinzento (numa menção as cores dos uniformes da SS) em que vivia Ian."
O desespero sísmico nas letras de Curtis revelam a insatisfação consigo mesmo, a noção exata de que jamais poderia ser aquilo que mais adorava.
Diz Deborah Curtis:
"Ele me obrigou a abandonar a escola, dizia que seria um rock star e que teria grana o suficiente para bancar a nossa vida como queríamos. Eu o amava demais, mas não a vida com que ele talvez sonhasse. Para dizer a verdade, não sei com que tipo de vida ele sonhava além daquelas que ele encontrava nos livros que ele gostava.
Ela era capaz de se iludir e cair na real em questão de minutos, reconhecer quem e o que ele era. Para mim, ele se matou sem me contar quem era na verdade. Ele também morreu sem saber quem eu era."
Como diz Deborah em Carícias Distantes, Curtis viveu uma vida inteira durante sua adolescência, no período que “descobriu” a cura para seus males, e quando reconheceu que o mal era ele mesmo. "Vocês amam em mim, aquilo que está me matando, diz Ian em uma entrevista, referindo-se a epilepsia."
Não cabe aqui analisar o que pensa os fãs da banda; que se revoltam quando alguém diz que a banda tinha "tendências" de extrema-direita, não esquecendo que eles apoiavam os Tories, tradicional partido conservador britânico que no início da ascensão nazista, via com bons olhos a idéia de expurgar judeus e comunistas do mapa. Nem de lembrar que Bernard Sumner/Albrecht aclamava a Rudolf Hess em shows da banda.
O que cabe aqui, é entender o quanto o 'Left Hand Path', a obscuridade, o esoterismo, as ciências ocultas podem afetar uma cabeça despreparada, cheia de ilusões e desespero. Curtis se matou porque supostamente reconhecia em si tudo aquilo que na sua opinião era degradante, humilhante. Primeiro ele imaginou ter encontrado no Nazi-Esoterismo a solução, ou ao menos a resposta para seus problemas e a situação em que vivia. Para em seguida, se auto-condenar, entender que não havia esperança, e que já estava suficientemente cansado para ir adiante.
Ian Curtis sempre foi uma contradição em termos. Ou como disseram os mais chegados a ele:
"Primeiro eu me enfureci. Se eu pudesse, teria o matado pela segunda vez. Quando alguém tira a própria vida, joga a culpa sobre os outros, nos tira qualquer direito de resposta, desabafou Peter Hook."
"Quando ele descobriu que o caminho que ele havia encontrado para achar suas respostas não era suficientemente iluminado... ( pausa ) pensando bem, o que ele esperava encontrar vivendo num mundo supostamente iluminado pelo SOL NEGRO ? - Genesis P-Orridge."