sexta-feira, janeiro 12, 2007


Fiat voluntas tua*

*(Expressão latina de resignação em face de um sofrimento ao qual não se pode fugir.)



Eu ando pela sombra,

Bebendo, fumando,

Numa depressão medonha,

Chorando e gritando: - Vida enfadonha!



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Tive um sonho de amor e de inocência,
Cheio de luz das coisas invulgares,
Do qual perdi a luminosa essência,
Na cristalização dos meus pesares,
Na consolidação da minha demência,
Assim também se foram os amores,
Pois tarde reconheci minha falência.

E terminado os múltiplos azares,
Da minha inútil existência,
No silêncio das cinzas tumulares,
Na ostentatação e opulência,
Construíndo jazigos seculares,
Para enterrar os cadáveres,
Com presteza e eficiência.

E da Morte, no além bizarro indefinido,
Tombei cansado, amargurado e cego,
Na cova estendido,
Abismo tenebroso e escuro que eu transponho,
Infeliz do meu eu irredimido,
Pois triste, louco e atordoado ainda carrego
O negro esquife do meu próprio sonho,
Preto, não nego,
É a cor da noite que proponho,
Para também representar meu ego.

Pensar nos martírios, dores e tormentos,
É perpetrar amargas redundâncias,
Redizer minhas mágoas, tristezas, minhas ânsias,
Relembrar minhas dores e lamentos...
Não sorvo mais os tóxicos violentos
Do desespero e da melancolia,
Apenas o da agonia.


Por tanto tempo andei pelo vale sinistro, de maneira errante,
Que os prazeres da vida converti-os
Em poemas das formas, em sombrios
Pesadelos da carne palpitante.

No derradeiro sono, a todo momento, a cada instante,
Vi fanarem-se anseios como fios,
De ilusão transformada em sopros frios,
Sobre o meu peito em febre, vacilante,
Vi carne podre nos rios
E ouvi um grito arrepiante.

Morte, na tua frente a alma tateia,
Olha, espia, inquire, sonda, cheira e chora, cheia
De incerteza na energia que tu plasmas!.
Alguns já estão aflitos,
Com a visão de mundos infinitos
E a ronda perpétua de fantasmas,
Na rua, no cemitério e nas suas casas.

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Tudo passa pela vida, o tempo passa, o homem passa
Atrás dos anos sem compreendê-los,
A dor alveja-lhe os cabelos,
À frouxa luz branca de uma existência escassa e devassa.

Sob o infortúnio de ter tido uma vida não muito regrada, sob os atropelos
Da dor que lhe envenena o sonho e a graça,
Rasga-se a fantasia e ilusão que o enlaça,
E vê morrer lentamente seus ideais mais belos!...

Nada é sempre igual,
Tudo se transforma,
É o tempo espacial que deforma
E que retorce as engrenagens da vida espectral,
Numa velocidade absurda, que achata o planeta e à todos transmuda,

Atomicamente alterados,
Pela energia deletéria,
Esta radiação côsmica,
Da massa do universo.

Viagem sideral ao inverso,
Da física quântica,
E da substância etérea,
Em ritmos acelerados,
Na alquimia da matéria.

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Eu vivi,
Sem conhecer deste planeta os paraísos,
Que somente a amargura dos sorrisos
Pela noite das dores conheci.

Com a alma isolada nos sofrimentos
infligidos, na aspereza de ser só pelos caminhos,
Encontrei o prazer pelos espinhos,
Ao escolher a estrada dos tormentos.