
Folha em branco
Uma folha em branco
Talvez explique tudo.
Talvez explique mais
Do que tenho
Tentado e tento dizer.
Uma folha em branco
É livre
E não é livro.
E nos livra
De tudo
Que nunca
Quisemos ler,
Nem saber,
Ou perceber.
(ARTES & IDEIAS) - Poesia - Literatura - Música - Pintura - Fotografia - Religião - Filosofia
Os Dois Horizontes
Dois horizontes fecham nossa vida:
Um horizonte, — a saudade
Do que não há de voltar;
Outro horizonte, — a esperança
Dos tempos que hão de chegar;
No presente, — sempre escuro,—
Vive a alma ambiciosa
Na ilusão voluptuosa
Do passado e do futuro.
Os doces brincos da infância
Sob as asas maternais,
O vôo das andorinhas,
A onda viva e os rosais;
O gozo do amor, sonhado
Num olhar profundo e ardente,
Tal é na hora presente
O horizonte do passado.
Ou ambição de grandeza
Que no espírito calou,
Desejo de amor sincero
Que o coração não gozou;
Ou um viver calmo e puro
À alma convalescente,
Tal é na hora presente
O horizonte do futuro.
No breve correr dos dias
Sob o azul do céu, — tais são
Limites no mar da vida:
Saudade ou aspiração;
Ao nosso espírito ardente,
Na avidez do bem sonhado,
Nunca o presente é passado,
Nunca o futuro é presente.
Que cismas, homem? – Perdido
No mar das recordações,
Escuto um eco sentido
Das passadas ilusões.
Que buscas, homem? – Procuro,
Através da imensidade,
Ler a doce realidade
Das ilusões do futuro.
Dois horizontes fecham nossa vida.
Machado de Assis, in 'Crisálidas'
Ó alma doce e triste e palpitante !
Que cítaras soluçam solitárias
Pelas regiões longínquas, visionárias
Do teu Sonho secreto e fascinante !
Quantas zonas de luz purificante,
Quantos silêncios, quantas sombras várias
De esferas imortais, imaginárias,
Falam contigo, ó Alma cativante !
Que chama acende os teus faróis noturnos
E veste os teus mistérios taciturnos
Dos esplendores do arco de aliança ?
Por que és assim, melancolicamente,
Como um arcanjo infante, adolescente,
Esquecido nos vales da esperança ?!
Cruz e Souza
Adeus, meus sonhos, eu pranteio e morro!
Não levo da existência uma saudade!
E tanta vida que meu peito enchia
Morreu na minha triste mocidade!
Misérrimo! Votei meus pobres dias
À sina doida de um amor sem fruto,
E minh'alma na treva agora dorme
Como um olhar que a morte envolve em luto.
Que me resta, meu Deus?
Morra comigo
A estrela de meus cândidos amores,
Já não vejo no meu peito morto
Um punhado sequer de murchas flores!
Álvares de Azevedo
CAMPO SANTO
Eis-me afinal de novo entre os meus bons convivas,
Só com meus sonhos, só, com a minha saudade,
E as mortas ilusões e ilusões redivivas
De que o morto passado a alma toda me invade.
Porque se me hão de impor, fortes e decisivas,
As descrenças dos que, sem fé, sem caridade,
Sem esperança, vêm dessas alternativas
De mal fingido amor e fingida piedade?
Sinto-me preso aqui. Entre angústias me envolvo,
- Esfinge que se envolve entre os arcais da Líbia -
Mas o fatal problema entre audácias resolvo:
CRACK
The Rolling Stones Of The Hell
Século XXI, novo milênio, tempos modernos... novas definições.
Antigamente craque era aquele jogador bom de bola,
Que com habilidade encantava multidões,
Agora, o crack é outro, mudou até a grafia,
É um subproduto da cocaína que sucumbe os corações,
Que ataca e destrói a família,
Não importando a geografia
Ou a camada social, a devastação é geral.
Crianças tornam-se assaltantes,
Matam por um simples real,
Atacam irmãos, pais e mães, caem os dentes, ficam dementes e nada mais é como antes,
Perde-se completamente a noção do que é normal, do que é moral.
É uma praga social,
A pedra rolante do inferno, a pedra do mal.
E aí!? Sou o crack! Pegue essa lata ou o cachimbo e sinta como é legal!
- Ok! Vamos lá! Vou fumar! Quero ser o tal!
Otário! Você agora é um animal.
Pronto! Fui convidado a entrar e o jovem corpo possuir,
Pelos pulmões já me entranhei, e tudo vou devorar,
Belos músculos atrofiar e tua mente destruir,
Vou deixar teus neurônios arrebentados, modificando todo o seu pensar.
Euforia bateu lá no céu, dopamina em profusão encharcando o cabeção.
Quando o louco efeito cessa, o que mais te resta?
Debater-se em fissura, exigindo uma nova explosão.
Outra vez, tudo de novo, os olhos arregalam como se fossem sair para fora do rosto, volta a excitação da ilusão até saltar as veias da testa.
O sono se perdeu e todo o cansaço desapareceu,
Alimenta-se de viagens paranóicas onde tudo é assombração,
Ligado em falsas sensações, sem noções de higiene, ou sem se preocupar se comeu.
Dependência quase que imediata e ficar muito doidão,
1, 2, 3, 4, 5 segundos. Efeito de curta duração. 1, 2, 3, 4, 5, já passou o pauladão, é fim de festa.
Noiado, alerta: “Me ajude! Não sei mais o que fazer!?”
Coloca novamente uma lata na boca torta até ficar com cara de besta,
Mais uma vez nesse embalo, em espiral decadente... até quase morrer.
Sou a pedra da convulsão, uma parada noiada, a droga da escravidão,
Eu destruo casas, invado famílias desestruturadas,
Tomo seus filhos, e isso é só o começo. Não é alucinação.
Sou mais nociva do que todas as outras drogas já inventadas.
Prazer! Sou o crack!
Se precisar de mim, sou facilmente encontrado,
Eu vivo perto de você, no campo, na cidade e na calçada,
Vivo com os ricos, vivo com os pobres, com os velhos e com a molecada,
Vivo nas ruas e talvez na porta ao seu lado,
Sou feito em laboratório, mas não como você pensa,
Também posso ser feito na cozinha,
O meu poder é impressionante, prove-me e verá,
Prove-me duas vezes e invado a sua alma
Depois de te possuir, você roubará, você mentirá e se prostituirá.
O crime que você cometer para obter meus encantos,
será a dor que você sentirá em seu corpo.
Você esquecerá suas qualidades e virtudes,
Você perderá a consciência e vou moldá-la à minha maneira,
Vou ter tudo de você, a sua aparência e o seu orgulho,
Você olhará no espelho sentindo nojo e pena de si mesmo,
Você irá ficar de quatro e rastejar pelo chão catando os imaginários pedaços,
Na cinza você escurecerá as pontas dos dedos na procura de mais um pouco,
Você irá tossir dia e noite até vomitar,
Os dedos da mão irão queimar e queimar,
Vou estar sempre com você, direto ao seu lado,
Você desistirá de tudo, da sua família, do seu amor,
Dos seus amigos, do seu dinheiro, então você estará sozinho.
Vou tomar e levar, até você não ter mais nada para dar,
Você irá ficar por dentro igual a uma lata vazia,
E quando eu terminar com você, você terá sorte ou azar por ainda estar vivo,
Vida sem Vida,
Vou te transformar em um zumbi, numa caveira ambulante!
Posso lhe trazer mais sofrimento do que palavras podem expressar.
Vem!
Vem! Segure a minha mão, deixe-me levá-lo ao inferno.
Vem! Deixe-me apresentá-lo ao meu pai, o Diabo.
Teu ar, teu gesto, tua fronte
São belos qual bela paisagem;
O riso brinca em tua imagem
Qual vento fresco no horizonte.
A mágoa que te roça os passos
Sucumbe à tua mocidade,
À tua flama, à claridade
Dos teus ombros e dos teus braços.
As fulgurantes, vivas cores
De tua vestes indiscretas
Lançam no espírito dos poetas
A imagem de um balé de flores.
Tais vestes loucas são o emblema
De teu espírito travesso;
Ó louca por quem enlouqueço,
Te odeio e te amo, eis meu dilema!
Certa vez, num belo jardim,
Ao arrastar minha atonia,
Senti, como cruel ironia,
O sol erguer-se contra mim;
E humilhado pela beleza
Da primavera ébria de cor,
Ali castiguei numa flor
A insolência da Natureza.
Assim eu quisera uma noite,
Quando a hora da volúpia soa,
Às frondes de tua pessoa
Subir, tendo à mão um açoite,
Punir-te a carne embevecida,
Magoar o teu peito perdoado
E abrir em teu flanco assustado
Uma larga e funda ferida,
E, como êxtase supremo,
Por entre esses lábios frementes,
Mais deslumbrantes, mais ridentes,
Infundir-te, irmã, meu veneno!
CHARLES BAUDELAIRE
O POETA E O POEMA
Nenhum poema se faz de matéria abstrata.
É a carne, e seus suplícios,
ternuras,
alegrias,
é a carne, é o que ilumina a carne, a essência,
o luminoso e o opaco do poema.
Nenhum poema. Nenhum pode nascer do
inexistente.
A vida é mais real que a realidade.
E em seus contrastes e seqüelas, funda
um reino onde pervagam
não a agonia de um, não o alvoroço
de outro,
mas o assombro de todos num caminho
estranho
como infinito corredor que ecoa
passos idos (de agora,
e de ontem e de sempre),
passos,
risos e choros — num reino
que nada tem de utópico, antes
mais duro do que rocha,
mais duro do que rocha da esperança
(do desespero?),
mais duro do que a nossa frágil carne,
nossa atônita alma,
— duros pesar de seu destino, duros
pesar de serem só a hora do sonho,
do sofrimento,
de indizível espanto,
e por fim um silêncio que arrepia
a epiderme do acaso:
(...)
Não há poema isento.
Há é o homem.
Há é o homem e o poema.
Fundidos.