(ARTES & IDEIAS) - Poesia - Literatura - Música - Pintura - Fotografia - Religião - Filosofia
sábado, dezembro 01, 2018
quarta-feira, novembro 28, 2018
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terça-feira, outubro 30, 2018
sábado, outubro 06, 2018
quinta-feira, outubro 04, 2018
sábado, setembro 29, 2018
quarta-feira, setembro 26, 2018
terça-feira, setembro 25, 2018
segunda-feira, setembro 24, 2018
"Durante
a nossa vida causamos transtornos na vida de muitas pessoas, porque somos imperfeitos.
Nas esquinas
da vida, pronunciamos palavras inadequadas, falamos sem necessidade, incomodamos.
Nas relações
mais próximas, agredimos sem intenção ou intencionalmente. Mas agredimos.
Não
respeitamos o tempo do outro, a história do outro.
Parece que o
mundo gira em torno dos nossos desejos e o outro é apenas um detalhe.
E, assim,
vamos causando transtornos.
Esses tantos
transtornos mostram que não estamos prontos, mas em construção.
Tijolo a
tijolo, o templo da nossa história vai ganhando forma.
O outro
também está em construção e também nos causa transtornos.
E, às vezes,
um tijolo cai e nos machuca.
Outras vezes, é a cal ou o cimento que sujam nosso rosto.
E quando não é um, é o outro.
E o tempo todo nós temos que nos limpar e cuidar das feridas, assim como os
outros que convivem conosco também têm de fazer.
Os erros dos
outros,
os meus erros.
Os meus erros,
os erros dos outros.
Esta é uma
conclusão essencial:
Todas as pessoas erram.
A partir dessa conclusão, chegamos a uma necessidade humana e cristã: o perdão.
Perdoar é
cuidar das feridas e sujeiras.
É compreender que os transtornos são muitas vezes involuntários.
Que os erros
dos outros são semelhantes aos meus erros e que, como caminhantes de uma jornada, é preciso olhar adiante.
Se nos
preocupamos com o que passou, com a poeira, com o tijolo caído, o horizonte deixará de ser contemplado. E será um desperdício.
O convite
que faço é que você experimente a beleza do perdão.
É um banho na alma! Deixa leve!
Se eu errei,
se eu o magoei,
se eu o julguei mal,
desculpe-me por todos
esses transtornos…
Estou em construção!”
Jorge Mario
Bergoglio (PAPA FRANCISCO)
Albert Camus
Os deuses condenaram Sísifo a rolar
incessantemente uma rocha até o cume de uma montanha de onde a pedra se
precipitava por seu próprio peso. Eles pensaram com alguma razão que não há
punição mais terrível que o trabalho inútil e sem esperança.
A se crer em Homero, Sísifo foi o
mais sábio e o mais prudente dos mortais. Segundo outra versão no entanto, ele
se inclinava ao ofício de bandido. Eu não vejo contradição. As opiniões diferem
sobre os motivos que lhe valeram ser o trabalhador inútil dos infernos.
Reprovam-lhe antes de tudo alguma leviandade para com os deuses. Ele entregou
seus segredos. Egina, filha de Asopo, foi abduzida por Júpiter. O pai,
espantado com esta desaparição, se lamentou a Sísifo. Ele, que sabia da
abdução, ofereceu-se para instruir Asopo, sob a condição de que este doasse água
à cidadela de Corinto. Aos trovões celestes, ele preferiu a benção da água. Ele
foi punido nos infernos. Homero nos conta ainda que Sísifo acorrentou a Morte.
Plutão não pôde suportar o espetáculo de seu império deserto e silencioso. Ele
despachou o deus da guerra que libertou a Morte das mãos de seu conquistador.
Diz-se ainda que Sísifo, prestes a
morrer, quis imprudentemente testar o amor de sua mulher. Ele ordenou que ela
abandonasse seu corpo sem sepultura em meio à praça pública. Sísifo se viu nos
infernos. E lá, irritado com uma obediência tão contrária ao amor humano,
obteve de Plutão a permissão de retornar à sua terra para castigar sua mulher.
Mas quando uma vez mais reviu o rosto deste mundo, saboreou a água e o sol, as
pedras quentes e o mar, já não quis retornar à sombra infernal. Os chamados, as
cóleras e as advertências não lhe fizeram nada. Por muitos anos ele viveu ante
a curva de um golfo, o mar cintilante e os sorrisos da terra. Foi preciso um
basta dos deuses. Mercúrio veio e agarrou o audacioso pelo pescoço e,
roubando-o às suas alegrias, o conduziu à força aos infernos onde sua rocha
estava pronta.
É o suficiente para entender que
Sísifo é o herói absurdo. Ele o é tanto por suas paixões quanto por seu
tormento. Seu desprezo pelos deuses, seu ódio à morte e sua paixão pela vida,
lhe valeram este suplício indizível onde todo o ser é empenhado para não se
conquistar nada. É o preço que é preciso pagar pelas paixões desta terra. Não
temos notícia de Sísifo nos infernos. Os mitos são feitos para que a imaginação
os anime. Neste só o que vemos é todo o esforço de um corpo tensionado a fim de
erguer uma enorme pedra, rolá-la e ajudá-la a escalar uma ladeira cem vezes
recomeçada; vemos seu rosto crispado, a face colada contra a pedra, o auxílio
de um ombro que recebe a massa coberta de argila, de um pé que a calça, a
retomada a duras penas, a certeza totalmente humana de duas mãos repletas de
terra. No pico deste esforço mensurado pelo espaço sem céu e pelo tempo sem
profundidade, o objetivo é atingido. Sísifo observa então sua pedra despencar
em alguns instantes rumo ao mundo inferior de onde será preciso reerguê-la ao
topo. Ele desce à planície.
É durante este retorno, esta pausa,
que Sísifo me interessa. Um rosto que sofre tão perto das pedras já é pedra ele
mesmo! Eu vejo este homem retomando a descida num passo pesado porém igual rumo
ao tormento do qual não conhecerá fim. Esta hora, que é como uma respiração e
cujo retorno é tão certo quanto o do seu suplício, esta hora é a hora da
consciência. Em cada um destes instantes, quando ele deixa o cume e se afunda
pouco a pouco rumo ao covil dos deuses, ele é superior a seu destino. Ele é
mais forte que sua rocha.
Se este mito é trágico, é porque seu
herói é consciente. Onde estaria com efeito sua pena se a cada passo a
esperança de sucesso o sustentasse? O operário dos nossos tempos trabalha todos
os dias de sua vida nas mesmas tarefas e este destino não é menos absurdo. Mas
ele só é trágico nos raros momentos nos quais se torna consciente. Sísifo,
proletário dos deuses, impotente e revoltado, conhecia toda a extensão de sua
miserável condição: é nela que pensa em sua descida. A clarividência que
deveria fazer o seu tormento consuma no mesmo instante a sua vitória. Não há
destino que não se supere pelo desprezo.
Se em certos dias a descida é feita
na dor, ela também pode ser feita na alegria. Esta palavra não é exagerada. Eu
imagino ainda Sísifo retornando à sua rocha, e a dor estava lá desde o princípio.
Quando a lembrança das imagens da terra se torna forte demais, quando o chamado
da alegria oprime demais, então a tristeza desponta no coração do homem: é a
vitória da rocha, é a própria rocha. A imensa agonia é pesada demais para ser
suportada. São nossas noites de Getsêmani. Mas as verdades esmagadoras perecem
ao serem reconhecidas. Assim, de início, Édipo obedece o destino sem saber. A
partir do momento em que o sabe, sua tragédia começa. Mas no mesmo instante,
cego e desesperado, ele reconhece que o único laço que o liga ao mundo é a mão
fresca de uma menina. Uma fala desmedida então ressoa: “Apesar de tantas
provações, minha idade avançada e a grandeza de minha alma me fazem julgar que
tudo está bem” (…).
Não se descobre o absurdo sem ter
sido tentado a escrever um manual qualquer de felicidade. “Como assim, por
caminhos tão estreitos…?” Mas só há um mundo. A felicidade e o absurdo são dois
filhos da mesma terra. São inseparáveis. O erro seria dizer que a felicidade
nasce forçosamente da descoberta do absurdo. Por vezes é o sentimento do
absurdo que nasce da felicidade. “Eu julgo que tudo está bem”, diz Édipo, e
esta fala é sagrada. Ela ressoa no universo feroz e limitado do homem. Ela
ensina que nem tudo está ou foi esgotado. Ela expulsa deste mundo um deus que
nele entrou com a insatisfação e o gosto pelas dores inúteis. Ela faz do
destino um negócio do homem, que deve ser regulado pelos homens.
Toda a alegria silenciosa de Sísifo
está aí. Seu destino lhe pertence. Sua rocha é sua coisa. Do mesmo modo, o
homem absurdo, ao contemplar o seu tormento, cala todos os ídolos. No universo
repentinamente silenciado, uma multidão de pequenas vozes maravilhadas se eleva
da terra. Clamores inconscientes e secretos, convites de todos os rostos, eles
são a contrapartida necessária e o preço da vitória. Não há sol sem sombra, e é
preciso conhecer a noite. O homem absurdo diz sim, e seu esforço não acabará
jamais. Se ele tem um destino pessoal, não tem nenhum destino superior ou ao
menos só tem um destino que julga fatal e desprezível. Quanto ao resto, ele se
sabe senhor dos seus dias. Neste instante sutil no qual o homem retorna à sua
vida, Sísifo, voltando à sua rocha, contempla esta sequência de ações sem nexo
que se tornam seu destino, criado por ele, unido sob o olhar de sua memória, e
logo selado pela morte. Assim, convencido da origem totalmente humana de tudo
aquilo que é humano, cego que deseja ver e que sabe que a noite não tem fim,
ele caminha todos os dias. A rocha rola mais uma vez.
Eu deixo Sísifo ao pé da montanha!
Sempre reencontramos seu fardo. Mas Sísifo ensina a fidelidade superior que
nega os deuses e ergue as rochas. Também ele julga que tudo está bem. Este
universo, doravante sem senhor, não lhe parece nem estéril nem fútil. Cada um
dos grãos desta pedra, cada lasca mineral desta montanha plena de noite, forma
um mundo só dele. A própria luta rumo ao topo basta para preencher o coração de
um homem. É preciso imaginar Sísifo feliz.
sábado, setembro 22, 2018
sexta-feira, setembro 21, 2018
Diz uma parábola judaica que certo dia a mentira e a verdade
se encontraram.
A mentira disse para a verdade:
- Bom dia, dona Verdade.
E a verdade foi conferir se realmente era um bom dia. Olhou
para o alto, não viu nuvens de chuva, vários pássaros cantavam e vendo que
realmente era um bom dia, respondeu para a mentira:
- Bom dia, dona Mentira.
- Está muito calor hoje, disse a mentira.
E a verdade vendo que a mentira falava a verdade, relaxou.
A mentira então convidou a verdade para se banhar no rio.
Despiu-se de suas vestes, pulou na água e disse:
-Venha dona Verdade, a água está uma delícia.
E assim que a verdade sem duvidar da mentira tirou suas
vestes e mergulhou, a mentira saiu da água e vestiu-se com as roupas da verdade
e foi embora.
A verdade por sua vez recusou-se a vestir-se com as vestes
da mentira e por não ter do que se envergonhar, saiu nua a caminhar na rua.
E aos olhos de outras pessoas era mais fácil aceitar a
mentira vestida de verdade, do que a verdade nua e crua.
Texto adaptado do original: "La Tristeza y La
Furia" do autor Jorge Bucay, no livro "Cuentos para Pensar"
quarta-feira, setembro 19, 2018
quinta-feira, setembro 13, 2018
quarta-feira, setembro 12, 2018
(Retirado
do livro "Pequenas Epifanias")
Caio
Fernando Abreu
Tenho trabalhado tanto, mas sempre penso em você. Mais de tardezinha que de manhã, mais
naqueles dias que parecem poeira assenta e com mais força quando a noite
avança. Não são pensamentos escuros, embora noturnos…
Sabe, eu me perguntava até que ponto você era aquilo que eu via em você ou apenas aquilo que eu queria ver em você. Eu queria saber até que ponto você não era apenas uma projeção daquilo que eu sentia, e se era assim, até quando eu conseguiria ver em você todas essas coisas que me fascinavam e que no fundo, sempre no fundo, talvez nem fossem suas, mas minhas, e pensava que amar era só conseguir ver, e desamar era não mais conseguir ver, entende?
Eu quis tanto ser a tua paz, quis tanto que você fosse o meu encontro. Quis tanto dar, tanto receber. Quis precisar, sem exigências. E sem solicitações, aceitar o que me era dado. Sem ir além, compreende? Não queria pedir mais do que você tinha, assim como eu não daria mais do que dispunha, por limitação humana. Mas o que tinha, era seu.
Mas
se você tivesse ficado, teria sido diferente?
Melhor interromper o processo em
meio: quando se conhece o fim, quando se sabe que doerá muito mais — por que ir em frente?
Não há sentido: melhor escapar deixando uma lembrança qualquer, lenço esquecido numa gaveta, camisa jogada na cadeira, uma fotografia — qualquer coisa que depois de muito tempo a gente possa olhar e sorrir, mesmo sem saber por quê. Melhor do que não sobrar nada, e que esse nada seja áspero como um tempo perdido.
Tinha terminado, então. Porque a
gente, alguma coisa dentro da gente, sempre sabe exatamente quando termina.
Mas de tudo isso, me ficaram coisas
tão boas. Uma lembrança boa de você, uma vontade de cuidar melhor de mim, de
ser melhor para mim e para os outros. De não morrer, de não sufocar, de continuar sentindo encantamento por alguma
outra pessoa que o futuro trará, porque sempre traz, e então não repetir
nenhum comportamento. Ser novo.
Mesmo que a gente se perca, não importa. Que tenha se transformado em passado antes de virar futuro. Mas que seja bom o que vier, para você, para mim. Te escrevo, enfim, me ocorre agora, porque nem você nem eu somos descartáveis.
... E eu acho que é por isso que te escrevo, para cuidar de ti, para cuidar de mim – para não querer, violentamente não querer de maneira alguma ficar na sua memória, seu coração, sua cabeça, como uma sombra escura.
‘Todas as
horas do fim’
Documentário sobre Torquato Neto
lança luz sobre produção cultural e a angústia existencial do artista.
Sentado ao
lado de Gal Costa, Torquato Neto está na capa do disco "Tropicália - ou
Panis et Circensis", um dos mais icônicos da música brasileira, e pouco
mais se sabe dele. Quatro anos depois de lançado o disco, um dos letristas mais
importantes do movimento tropicalista se matou, no dia seguinte de seu
aniversário de 28 anos. Entrou no banheiro de casa, ligou o gás e esperou a
morte, enquanto a esposa Ana e o filho Thiago dormiam nos cômodos ao
lado.
Passados 45
anos da morte de Torquato Neto, os diretores Marcus Fernando e Eduardo Ades
lançam "Torquato Neto - Todas as horas do fim". Mesclando entrevistas
com as poucas imagens disponíveis do poeta, os dois viram-se diante de um
impasse, ao perceber que o protagonista Torquato estava se tornando assunto na
boca dos entrevistados. A solução para amarrar o filme e continuar reverberando
as ideias do poeta veio de um dos seus grandes temas de interesse - o cinema.
No
documentário, os diretores partem de um material audiovisual escasso para
preencher essas lacunas e redimensionar seu personagem. Dele existe um único
registro de voz, que se soma e se multiplica em raras aparições como em Nosferatu
no Brasil, de Ivan Cardoso, em que encarna um vampiro torto e libertino em
filme mudo rodado em Super 8.
Uma das
saídas foi emprestar a ele a voz do ator Jesuíta Barbosa. A outra, provocar uma
imersão na cabeça do artista a partir das obras e filmes que a povoavam. As
imagens do cinema novo e do cinema marginal cobrem até mesmo a fala de amigos e
parceiros da obra, em depoimentos exibidos de maneira pouco convencional.
Caretice, afinal, não combinaria com o protagonista.
É sobre a
obra, e não exatamente sobre a vida – ou pelo menos até onde é possível aparar
as intersecções entre elas – que o documentário se dedica.
Aos poucos,
e nas horas e dias seguintes após a sessão, passamos a tropeçar em Torquato
Neto nas lacunas até então despercebidas: na música que cantamos sem atentar
para a autoria, no esforço de tirar a poesia do registro em papel e dar a ela
uma outra dimensão, ou por finalmente encontrar nele um lugar de destaque de
uma cena artística que se desenhava e ainda se desenha.
Como resumiu
o amigo Victor Costa ao fim da sessão, em 28 anos Torquato se projetou não
apenas como um artista, mas como um agitador cultural que compreendeu e foi
absorvido pelo que, muito em breve, seria hoje o que conhecemos como cena
audiovisual, na qual cabe muito daquilo que ele já demonstrava.
Letras e
palavras flutuando na tela, escrita transformada em música e artes visuais, o
corpo como expressão de linguagem e até em artigo de jornal diário para
recorte. Algo nele e em seus contemporâneos contrastava com a imagem que
guardamos dos poetas que o antecederam, como Drummond, João Cabral e Manoel
Bandeira, burocratas bem comportados que se libertava do terno e da gravata
usando tinta e papel.
A poesia de
Torquato, ainda a ser descoberta pelo grande público, é a poesia libertada
deste formato. Uma contradição, portanto, que ele não pôde cantá-la – um
talento que, dizem, jamais alcançou.
Nessa
poesia o artista parece dar sentido ao próprio corpo, esgotado precocemente. O
que sabemos? Que, para ele, a exemplo de muitos artistas mortos precocemente,
não há o que se fazer por aqui quando a obra está acabada.
Mais do que
não poder dizer, a angústia do artista é não ter mais o que dizer, ou fabular,
ou inventar, ou reinventar. Mas quando a obra se esgota? Como identificar seu
epílogo? Sabemos?
De todas as
lacunas, esta é a única que não podemos alcançar.
O que faria
agora, já avô (soube que seu neto assistiu ao filme diversas vezes), se tivesse
acompanhado os colegas Gil, Caetano, Edu Lobo, Gal, Jards e pudesse resumir em poesia
o país que nasceu e morreu com ele em 1972. Um país que, como ele, parece agora
viver tranquilamente todas as horas do fim.
Quem vem do
interior (na cidade onde nasci sobram-nos shoppings, farmácias e barbearias,
mas as livrarias ou desapareceram ou flertam com a falência diariamente)
provavelmente vai se identificar com o protagonista que, leitor que gosta de
andar para absorver o que leu, é confrontado o tempo pela brutalidade do
entorno que a todo momento questiona: para que isso me serve?
MÚSCULOS E
FÚRIA
Documentário ilumina trajetória
faiscante do jornalista Tarso de Castro
Gaúcho de Passo Fundo fez história
no Rio de Janeiro à frente do semanário O Pasquim e foi um dos grandes
personagens da imprensa e da cultura brasileiras no Brasil sob ditadura militar
Força da
natureza. Divisor de águas. Gênio. Visionário. Superlativos transbordam no
documentário A Vida Extra-Ordinária de Tarso de Castro para
dimensionar a importância do jornalista gaúcho que saiu de Passo Fundo e
consagrou-se no Rio de Janeiro jogando gasolina na fogueira das vaidades que
iluminava a imprensa e a vida cultural do Brasil sob a ditadura militar.
Usualmente fartos em tributos laudatórios, elogios de tal monta vestem muito
bem no biografado pelos diretores Leo Garcia e Zeca Brito. E são
contrabalançados por aqueles (poucos, diga-se) que lembram de um Tarso sem
caráter, irresponsável, mulherengo, alcoolista e perdulário, entre outras
impressões que embaralham o homem e o mito que deixou marcas em amigos,
inimigos, afetos e amores.
Tarso de
Castro morreu em 1991, aos 49 anos, vitimado pela cirrose hepática. Das suas
três grandes paixões destacadas no filme, a bebida foi a fatal. Com as outras
duas, o jornalismo e as mulheres, viveu fortes emoções. À frente do semanário
carioca O Pasquim, que fundou em 1969, Tarso cravou um marco no jornalismo
independente reunindo a nata da escrita e do traço nacionais – entre outros,
Paulo Francis (1930–1997), Sérgio Cabral, Millôr Fernandes, Ziraldo, Jaguar e o
também gaúcho Luiz Carlos Maciel (1938–2017). A chamada patota do Pasquim
desafiou, com humor, entrevistas antológicas, provocação e jornalismo puro
sangue o período mais pesado da censura. Sobre as mulheres, Tarso enroscou-se
com muitas beldades: da gaúcha Barbara Oppenheimer, com quem foi casado por
quatro anos, à estrela americana Candice Bergen, passando pela diva tropical
Leila Diniz.
Garcia e
Brito criaram um dispositivo irreverente para retratar esse tipo nada
convencional. Colocaram mais de 30 entrevistados, entre eles ex-parceiros de
Pasquim e outras publicações lançadas por Tarso, amigos como Caetano Veloso,
familiares e namoradas, a conversar entre si, por telefone e em mesa de bar.
Brotam histórias saborosas sobre o “homem que não podia ficar velho”, que viveu
e trabalhou com o pé no acelerador, despejando sobre a máquina de escrever,
como dizia, 75 quilos de músculos e fúria...
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