Espiritualidade Plena
Apesar de tudo, insisto. A despeito
de mim mesmo, teimo. Insisto e teimo por querer a eternidade. Alguém plantou
transcendência em minha alma. Mesmo diante do pavor de confundir
esperança com alucinação, não consigo dissimular minha obstinação pelo que está
além de mim. Preciso tornar-me peregrino que se descalça diante do Sagrado.
Deixar que o Mistério me deixe atônito. Desfazer-me de panos velhos para não
remendar-me com os andrajo de uma religiosidade rota.
Quero uma espiritualidade que
enfrente a verdade de existir com tudo o que a vida trouxer de bom ou de
ruim. Desejo viajar até as fronteiras do universo não como fuga, mas como
sede da grande Utopia – a mesma que move os Santos. Quero soprar o pavio
fumegante da minha voz profética para ser farol, mesmo em um vilarejo distante.
Anseio por uma espiritualidade que
esgote a soberba de minha onipotência e permita que a mesma bruma que empurra a
caravela empine a bandeira do meu combate. Preciso repensar a coragem para que
a minha força venha da fragilidade.
Almejo uma espiritualidade suave:
delicada como a mão da criança, indefesa como o olhar do cordeiro e
despretensiosa como o fluir do ribeiro. Necessito esvaziar-me do desejo de
brilhar – que a oração mais pura fique escondida no quarto onde durmo. Ainda
hei de encarar o apelo do poder como maldição. Qualquer glória só a Deus
pertence.
Desejo uma espiritualidade que não
se encaramuja. Que abre mão de palavras piedosas como disfarce e procura a
magia de viver na encarnação, fazendo do corpo o instrumento que transforma a
vida.
Suspiro por uma espiritualidade sem
fronteiras. Quero rasgar mapas para chamar o Próximo de meu irmão. Exorcizar o
medo de perder a reputação. Abrir espaço para que o excluído se sinta acolhido.
Sonho entender como o grão de trigo morre sem murmurar – por saber que carrega
o futuro em suas entranhas. Aspiro por uma espiritualidade que ame igualmente o
belo e o disforme, o funcional e o deficiente. E alimente a alma com as
cores do cotidiano: azul, preto, vermelho, amarelo, cinza, branco.
Ambiciono navegar e abrir mão de
atracar em qualquer Porto Seguro. Sem âncoras, continuar a singrar o
futuro como um oceano de possibilidades.