Silêncio em dó menor
Misteriosa expressão da alma das coisas mudas,
Silêncio — imensidão dos enigmas em aberto,
espelho baço trincado onde a tristeza universal se estampa.
Silêncio — de onde brota lá do fundo outro silêncio, na fermentação das dores cruéis, agudas,
solene senhor da treva e noites escuras.
Silêncio — abissal e insondável oceano,
tudo quanto nos teus abismos vive imerso,
tem a secreta voz rouca dos rochedos e o grito histérico das loucas.
És a concentração desconcertante do ser pensante, demasiado humano,
a vida de outros planos e oculta do universo,
a energia invisível das coisas.
Seja engano, talvez, delírio do meu cérebro enfermo,
mas eu compreendo os teus sentimentos profundos
eu te sinto nas anônimas odisséias.
Foste o início de tudo e de tudo és o termo.
Silêncio — concepção primitiva dos mundos,
cosmogonia eteral de todas as idéias.
Silêncio — morna solidão de sintomas medonhos,
pântano negro onde do mal desenvolvem-se os vermes
fonte da inspiração, rio da ausência do som do esquecimento,
lago de saliva da boca sem língua, copo sujo em cujo fundo os demônios dos meus sonhos
postos lado a lado, inanimes, inermes,
fitam de estranho ideal o fulgor opulento.
Ò Silêncio! Ò visão abstrata subjetiva da Morte!
— refúgio passional que eu sempre busco e anseio
hei de recordar . . . as torturas, tonturas e vidas tortas,
pois fazes com que ao teu influxo eu me transporte
ao seio da saudade do leite venenoso, a esse funéreo seio
- esquife onde revejo as ilusões já mortas.