A Crise da Democracia
É natural que a
crise da democracia, impossível de negar, se revele sob o aspecto de sucessivas
crises políticas. Mas para quê jogar com as palavras? Quando a máquina se
desarranja, frequentemente, por melhor eco e por mais vistosas engrenagens que
possua, torna-se urgente pô-la de lado como inútil, aproveitando-lhe, é claro,
as inovações, tudo o que for suscetível de aplicar a outra máquina...
(...) Não é possível negar certas verdades e conquistas da democracia que são hoje indispensáveis à vida de todos os regimes. Mas os sistemas propriamente ditos, na sua inteireza, nascem, vivem e morrem como os homens. As escolas políticas e sociais são como as escolas literárias. Esgotada a sua capacidade criadora, a sua flama, perdem a força, extinguem-se, depois de terem deixado a sua marca, o traço profundo da sua influência. Os próprios defensores da democracia procuram transigir com o espírito do seu tempo, confessando e admitindo a necessidade de modificar o sistema das suas ideias, de renovar os órgãos da democracia. Mas que propõem eles, afinal, para que se efetive essa renovação? Medidas ridículas que não se adaptam ao próprio sistema: ligeiras alterações no regulamento interno das Câmaras, limitações no tempo dos discursos, restrições no uso da palavra, etc., etc.. Paliativos ingênuos que não resolvem nada, que pretendem, apenas, prolongar a pobre vida dum sistema agonizante... Negar a crise da democracia seria negar a evidência, o panorama político da nossa época...
António de Oliveira Salazar, in 'Imprensa (1932)'