Em meu coração penetraste,
Tu que, qual furiosa manada
De Demônios, ardente, ousaste,
De meu espírito humilhado,
Fazer teu leito e possessão
– Infame à qual estou atado
Como o galé ao seu grilhão,
Como ao baralho o jogador,
Como à carniça o parasita,
Como à garrafa o bebedor
– Maldita sejas tu, maldita!
Supliquei ao gládio veloz
Que a liberdade me alcançasse,
E ao veneno, pérfido algoz,
Que a covardia me amparasse.
Ai de mim! com mofa e desdém,
Ambos me disseram então:
'Digno não és de que ninguém
Jamais te arranque à escravidão',
Te libertássemos um dia,
Teu beijo ressuscitaria
O cadáver de teu vampiro!”
Charles Baudelaire
Charles Pierre Baudelaire (1821-1867), poeta francês precursor do Simbolismo, autor de Les Fleurs du Mal, 1857 (As Flores do Mal). Com versos rigorosamente metrificado e rimados, que prefiguram o Parnasianismo, Baudelaire trata de temas e assuntos que vão do sublime ao escabroso, investindo liricamente contra as convenções morais que permeavam a sociedade francesa dos meados do século XIX.
Destacou-se também como crítico de arte, com L'Art Romantique, 1860 (A Arte Romântica), e com as traduções do contista norte-americano Edgar Allan Poe. Entre os ensaios, destacam-se Les Paradis Artificiels,1860 (Os Paraísos Artificiais), sobre a ingestão de drogas e seus efeitos estéticos. A vida de Baudelaire ficou marcada pelos desentendimento como o padrasto, que chegou a enviá-lo à Índia e a submetê-lo a conselho judiciário, visando a recuperá-lo da vida boêmia que levava em Paris.
Diversos poemas de As Flores do Mal foram cortados do livro como imorais, por decisão legal, num processo que só foi anulado em 1949. Na poesia de Baudelaire já se encontram traços que serão dominantes no Modernismo do século XX.