(ARTES & IDEIAS) - Poesia - Literatura - Música - Pintura - Fotografia - Religião - Filosofia
quinta-feira, maio 24, 2012
Mas quando o poeta diz: "Lata"
Pode estar querendo dizer o incontível
Mas quando o poeta diz: "Meta"
Pode estar querendo dizer o inatingível
Que determine o conteúdo em sua lata
Na lata do poeta tudo/nada cabe
Pois ao poeta cabe fazer
Com que na lata venha caber
O incabível
Deixe a sua meta fora da disputa
Meta dentro e fora, lata absoluta
Deixe-a simplesmente metáfora
Quem tem a força de saber que existe
E no centro da própria engrenagem
Inventa a contra mola que resiste
Quem não vacila mesmo derrotado
Quem já perdido nunca desespera
E envolto em tempestade decepado
Entre os dentes segura a primavera”
João Ricardo e João Apolinário
quarta-feira, maio 23, 2012
eu sou como eu sou
pronome
pessoal intransferível
do homem que iniciei
na medida do impossível
eu sou como eu sou
agora
sem grandes segredos dantes
sem novos secretos dentes
nesta hora
eu sou como eu sou
presente
desferrolhado indecente
feito um pedaço de mim
eu sou como eu sou
vidente
e vivo tranquilamente
todas as horas do fim.
domingo, março 25, 2012
terça-feira, fevereiro 07, 2012
O Andaime
O tempo que eu hei sonhado
Quantos anos foi de vida!
Ah, quanto do meu passado
Foi só a vida mentida
De um futuro imaginado!
Aqui à beira do rio
Sossego sem ter razão.
Este seu correr vazio
Figura, anônimo e frio,
A vida vivida em vão.
A esperança que pouco alcança!
Que desejo vale o ensejo?
E uma bola de criança
Sobre mais que minha esperança,
Rola mais que o meu desejo.
Ondas do rio, tão leves
Que não sois ondas sequer,
Horas, dias, anos, breves
Passam — verduras ou neves
Que o mesmo sol faz morrer.
Gastei tudo que não tinha.
Sou mais velho do que sou.
A ilusão, que me mantinha,
Só no palco era rainha:
Despiu-se, e o reino acabou.
Leve som das águas lentas,
Gulosas da margem ida,
Que lembranças sonolentas
De esperanças nevoentas!
Que sonhos o sonho e a vida!
Que fiz de mim? Encontrei-me
Quando estava já perdido.
Impaciente deixei-me
Como a um louco que teime
No que lhe foi desmentido.
Som morto das águas mansas
Que correm por ter que ser,
Leva não só lembranças —
Mortas, porque hão de morrer.
Sou já o morto futuro.
Só um sonho me liga a mim —
O sonho atrasado e obscuro
Do que eu devera ser — muro
Do meu deserto jardim.
Ondas passadas, levai-me
Para o alvido do mar!
Ao que não serei legai-me,
Que cerquei com um andaime
A casa por fabricar.
Fernando Pessoa, in "Cancioneiro"
Impressões Oníricas
Alguém aí pode me dizer dizer?
Mais vale ser aquele que vê o mundo acordado,
Ou o que em sonhos foi se perder?
O que é verdadeiro? O que mais será...
A mentira que há na realidade,
Ou a mentira que em sonhos está?
Quem está da verdade mais afastado —
Aquele que em sombra vê a verdade
Ou o que vê o sonho iluminado?