quarta-feira, junho 15, 2016


É necessário que os princípios de uma política sejam justos e verdadeiros.

Demóstenes - Olintianas
     Cândido Portinari - Retirantes -1939.
     http://www.portinari.org.br/

Tudo Está Caro

A trinta e cinco réis custa a pescada:
O triste bacalhau a quatro e meio:
A dezasseis vinténs corre o centeio:
De verde a trinta réis custa a canada.

A sete, e oito tostões custa a carrada
Da torta lenha, que do monte veio:
Vende as sardinhas o galego feio
Cinco ao vintém; e seis pela calada.

O cujo regatão vai com excesso,
Revendendo as pequenas iguarias,
Que da pobreza são todo o regresso.

Tudo está caro: só em nossos dias,
Graças ao Céu! Temos em bom preço
Os tremoços, o arroz e as Senhorias.

Abade de Jazente

Não há Vagas

O preço do feijão
não cabe no poema. O preço
do arroz
não cabe no poema.
Não cabem no poema o gás
a luz o telefone
a sonegação
do leite
da carne
do açúcar
do pão

O funcionário público
não cabe no poema
com seu salário de fome
sua vida fechada
em arquivos.
Como não cabe no poema
o operário
que esmerila seu dia de aço
e carvão
nas oficinas escuras

- porque o poema, senhores,
   está fechado:
   "não há vagas"

Só cabe no poema
o homem sem estômago
a mulher de nuvens
a fruta sem preço

    O poema, senhores,
    não fede
    nem cheira

Ferreira Gullar - 'Antologia Poética' 

quinta-feira, junho 09, 2016


Os Gemeos


Brasil

Não me convidaram
Pra esta festa pobre
Que os homens armaram
Pra me convencer
A pagar sem ver
Toda essa droga
Que já vem malhada
Antes de eu nascer
Não me ofereceram
Nem um cigarro
Fiquei na porta
Estacionando os carros
Não me elegeram
Chefe de nada
O meu cartão de crédito
É uma navalha
Brasil!
Mostra tua cara
Quero ver quem paga
Pra gente ficar assim
Brasil!
Qual é o teu negócio?
O nome do teu sócio?
Confia em mim
Não me convidaram
Pra essa festa pobre
Que os homens armaram
Pra me convencer
A pagar sem ver
Toda essa droga
Que já vem malhada
Antes de eu nascer
Não me sortearam
A garota do Fantástico
Não me subornaram
Será que é o meu fim?
Ver TV a cores
Na taba de um índio
Programada
Prá só dizer "sim, sim"
Brasil!
Mostra a tua cara
Quero ver quem paga
Pra gente ficar assim
Brasil!
Qual é o teu negócio?
O nome do teu sócio?
Confia em mim
Grande pátria
Desimportante
Em nenhum instante
Eu vou te trair
Não, não vou te trair
Brasil!
Mostra a tua cara
Quero ver quem paga
Pra gente ficar assim
Brasil!
Qual é o teu negócio?
O nome do teu sócio?
Confia em mim
Brasil!
Mostra a tua cara
Quero ver quem paga
Pra gente ficar assim
Brasil!
Qual é o teu negócio?
O nome do teu sócio?
Confia em mim
Confia em mim
Brasil!

Cazuza

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PARTIDO: Agrupamento para defesa abstrata de princípios e elevação positiva de alguns cidadãos.

Carlos Drummond de Andrade

Os Gemeos & Bansky - 2013.

Se, na verdade, não estou no mundo para simplesmente a ele me adaptar, mas para transformá-lo; se não é possível mudá-lo sem um certo sonho ou projeto de mundo, devo usar toda possibilidade que tenha para não apenas falar de minha utopia, mas participar de práticas com ela coerentes.


Paulo Freire

Cranio

O melhor governo é aquele em que há o menor número de homens inúteis.

Voltaire

Os Gemeos

"Política e politicalha não se confundem, não se parecem, não se relacionam uma com a outra. Antes se negam, se excluem, se repulsam mutuamente. A política é a arte de gerir o Estado, segundo princípios definidos, regras morais, leis escritas, ou tradições respeitáveis. A politicalha é a indústria de o explorar a benefício de interesses pessoais. Constitui a política uma função, ou conjunto das funções do organismo nacional: é o exercício normal das forças de uma nação consciente e senhora de si mesma. A politicalha, pelo contrário, é o envenenamento crônico dos povos negligentes e viciosos pela contaminação de parasitas inexoráveis. A política é a higiene dos países moralmente sadios. A politicalha, a malária dos povos de moralidade estragada."

Ruy Barbosa


“Não sou militante de coisa nenhuma, exceto de ideias”.


Milton Santos

"Na verdade nem sou comunista nem sou reacionária, sou propriamente anarquista, sou só uma doce anarquista."

Rachel de Queiroz

Cranio

O descontentamento é o primeiro passo na evolução de um homem ou de uma nação.


Oscar Wilde

Cranio

A linguagem política, destina-se a fazer com que a mentira soe como verdade e o crime se torne respeitável, bem como a imprimir ao vento uma aparência de solidez.

George Orwell




(...) Quando eu digo que sou a luz das estrelas, não estou falando de mim. O pedreiro lá da frente de casa, que está construindo um edifício, canta essa música [“Gita”] como se fosse ele. Isso porque nós somos o verbo ser. Sendo o que você tem a vontade de ser, não existe mais nada. Nós somos, e está acabado. Tudo é. Então, o eu é fortíssimo. Você tem que ter primeiro a consciência do eu para poder respeitar terceiros e então fazer o que você quer, que é tudo da lei, da sua lei.

Raul Seixas. Entrevista “Eu sou o meu país”. Revista POP, março de 1975.



Sócrates, Platão e Aristóteles, cada um deles numa maior ou menor medida, são considerados os iniciadores e os sistematizadores do pensamento ético-político ocidental. Ao seu modo, cada um deles procurou se perguntar filosoficamente acerca do sentido do humano, colocando essa pergunta e as respostas daí advenientes a serviço da reforma das instituições políticas.

Toda vez que a política não constrói justiça na sociedade e não realiza a formação humana, então ela se transforma em violência e em corrupção institucionalizada, deixando de ser política e passando a ser uma atividade marcada pela violência e pela fraude.



Morro da Providência, no Centro do Rio de Janeiro

Sócrates de Roberto Rosselini (1971)


Sócrates é um filme produzido pela RAI, filmado na Espanha, falado em italiano e dirigido por Roberto Rosselini. O filme inicia com Atenas tomada pelo governo dos 30 de Lisandro. Os aristocratas gregos discutem os erros de Alcebíades em sua campanha na Sicília enquanto bebem e comem fartamente com os escravos servindo-os. A discussão, de fato, trata do antigo antagonismo entre Esparta, agora dominante, e Atenas, a terra dos pensadores.

Na cidade, os espartanos começam a distribuir comida para o povo e é aí que aparece a figura de Sócrates sendo escorraçado por um estrangeiro. Seus amigos vão auxiliá-lo e perguntam por que ele não leva o desaforado para o tribunal. Sócrates responde: “Não posso me chatear por levar um coice de um burro. Além do mais, é difícil levar um burro para o tribunal”.

O Sócrates de Rosselini é sarcástico, ácido e possui uma língua rápida. Isso atrai os jovens atenienses que abandonam seus pais para seguir o velho filósofo. Os atenienses começam a desconfiar de suas doutrinas e o que elas causam nos jovens que passam a agir de um modo diferente da tradição. Quando os atenienses conseguem retomar o poder, surgem questionamentos sobre a influência de Sócrates na cidade, o que descambará no famoso julgamento de Sócrates e na sentença máxima: morrer envenenado bebendo cicuta.

Porém, antes do julgamento, Rosselini nos brinda com cenas cotidianas do pensador. Uma das melhores é quando Sócrates retorna para sua casa e se encontra com sua esposa, Xantipa. Ela é famosa por ser feia, rabugenta, mandona e desequilibrada. Quando Sócrates entra na sala, ela começa a reclamar que há dois dias ele não aparece e não pensa nos filhos que estão passando fome. Ela fica indignada com Sócrates por este não agir como os Sofistas que vendiam seus conhecimentos para os filhos dos senhores ricos de Atenas. Sócrates diz que o seu conhecimento não se vende.

Num de seus diálogos, Sócrates discute a questão da felicidade e afirma que ser feliz é ser justo. Ser rico e poderoso não é indicação de felicidade para Sócrates (Nietzsche dizia que Platão, e, portanto Sócrates, foram para o Egito, mas não aprenderam com os egípcios, mas sim com os judeus que viviam lá). O conhecimento do bem, sim.

Rosselini recheia o filme com diversas citações retiradas dos Diálogos de Platão. Isso enriquece e dá uma dinâmica interessante ao filme. Uma dessas passagens é a célebre afirmação de Platão de que a escrita prejudicaria a memória dos homens que não procurariam mais o conhecimento dentro de si, mas no exterior.

Por fim, Rosselini junta dois Diálogos de Platão: Apologia de Sócrates e Fédon. No primeiro, temos a defesa de Sócrates diante do tribunal ateniense que o acusa de corromper a juventude e, no segundo, o momento em que Sócrates, antes de tomar a cicuta, explana sobre sua teoria da imortalidade da alma, bebendo a cicuta sem medo algum da morte.

O filme vale a pena tanto para aqueles que já leram Platão quanto para quem não conhece nada de Platão. O Sócrates de Rosselini é um bom começo.

http://arsdiluvianfilmes.blogspot.com.br/2010/08/socrates-de-roberto-rosselini.html

quarta-feira, junho 08, 2016








Meu partido
É um coração partido
E as ilusões estão todas perdidas
Os meus sonhos foram todos vendidos
Tão barato que eu nem acredito
Eu nem acredito...

Cazuza







O pior analfabeto
É o analfabeto político,

Ele não ouve, não fala,

nem participa dos acontecimentos políticos.

Ele não sabe que o custo de vida,
o preço do feijão, do peixe, da farinha,

do aluguel, do sapato e do remédio

dependem das decisões políticas.

O analfabeto político
é tão burro que se orgulha

e estufa o peito dizendo

que odeia a política.

Não sabe o imbecil que,
da sua ignorância política

nasce a prostituta, o menor abandonado,

e o pior de todos os bandidos,

que é o político vigarista,
pilantra, corrupto e o lacaio
das empresas nacionais e multinacionais.



Berthold Brecht





"A justiça nada mais é do que a harmonia que se estabelece entre as três virtudes: temperança, fortaleza e sabedoria, Quando cada cidadão e cada classe social desempenham as funções que lhes são próprias da melhor forma e fazem aquilo que por natureza e por lei são convocados a fazer, então se realiza a justiça perfeita."
"...Pouco importa se exista ou possa existir tal cidade, baste que cada um viva sob as leis dessa cidade...".

Platão


terça-feira, junho 07, 2016

A verdade, meu amor, mora num poço, / É Pilatos, lá na Bíblia quem nos diz, / E também faleceu por ter pescoço, / O (infeliz) autor da guilhotina de Paris. / Vai, orgulhosa, querida, / Mas aceita esta lição: / No câmbio incerto da vida, / A libra sempre é o coração, / O amor vem por princípio, a ordem por base, / O progresso é que deve vir por fim, / Desprezaste esta lei de Augusto Comte, / E foste ser feliz longe de mim.


     Este trecho do conhecido samba de Noel Rosa e Orestes Barbosa, Positivismo, de 1933, demonstra a presença da filosofia positivista no meio cultural mais popular do Brasil, a música, ao retratar uma amada que transgrediu o fundamento básico de tal filosofia. Não obstante, essa corrente de pensamento também se faz presente no dístico de nosso maior símbolo pátrio, a bandeira: Ordem e Progresso. A expressão é o lema político do positivismo, corrente filosófica popular na época da criação da bandeira nacional, em 1889 e consiste na forma abreviada do lema de autoria do positivista francês Isidore Auguste Marie François Xavier Comte (1798-1857): "O Amor por princípio e a Ordem por base; o Progresso por fim" (em francês L'amour pour principe et l'ordre pour base; le progrès pour but.). Seu sentido é a realização dos ideais republicanos: a busca de condições sociais básicas (respeito aos seres humanos, salários dignos, etc...) e o melhoramento do país (em termos materiais, intelectuais e, principalmente, morais).    A bandeira de cores verde, amarela e branca foi desenhada pelo pintor Décio Vilares e a ideia para a constituição da bandeira foi dada por Raimundo Teixeira Mendes, então presidente do Apostolado Positivista do Brasil, com colaboração de Miguel de Lemos e de Manuel Pereira Reis, catedrático de astronomia da Escola Politécnica. Representavam-se, assim, os ideais republicanos, que tinham como intuito primordial promover a ordenação e o desenvolvimento do país, buscando escapar do atraso representado pelo extinto governo imperial.



A pergunta que não quer calar é: Onde foi parar o AMOR?


            Grafite: Os Gemeos (Otávio e Gustavo Pandolfo)


P.S. Ordem e Progresso também é um livro do escritor Gilberto Freyre, publicado em 1957 em que o autor aborda a transição do regime monarquista ao republicano no Brasil.