terça-feira, dezembro 08, 2015

      Chico Baldini, 2015.

quarta-feira, setembro 16, 2015

segunda-feira, julho 27, 2015



DEFICIÊNCIAS

"Deficiente": é aquele que não consegue modificar sua vida, aceitando as imposições de outras pessoas ou da sociedade em que vive, sem ter consciência de que é dono do seu destino. 

"Louco": é quem não procura ser feliz com o que possui. 

"Cego": é aquele que não vê seu próximo morrer de frio, de fome, de miséria, e só têm olhos para seus míseros problemas e pequenas dores. 

"Surdo": é aquele que não tem tempo de ouvir um desabafo de um amigo, ou o apelo de um irmão. Pois está sempre apressado para o trabalho e quer garantir seus tostões no fim do mês. 

"Mudo": é aquele que não consegue falar o que sente e se esconde por trás da máscara da hipocrisia. 

"Paralítico": é quem não consegue andar na direção daqueles que precisam de sua ajuda. 

"Diabético": é quem não consegue ser doce. 

"Anão": é quem não sabe deixar o amor crescer.

E, finalmente, a pior das deficiências é ser miserável, pois: 

"Miseráveis": são todos que não conseguem falar com Deus.



Mário Quintana


A Racionalidade Irracional


     Eu digo muitas vezes que o instinto serve melhor os animais do que a razão a nossa espécie. E o instinto serve melhor os animais porque é conservador, defende a vida. Se um animal come outro, come-o porque tem de comer, porque tem de viver; mas quando assistimos a cenas de lutas terríveis entre animais, o leão que persegue a gazela e que a morde e que a mata e que a devora, parece que o nosso coração sensível dirá «que coisa tão cruel». Não: quem se comporta com crueldade é o homem, não é o animal, aquilo não é crueldade; o animal não tortura, é o homem que tortura. Então o que eu critico é o comportamento do ser humano, um ser dotado de razão, razão disciplinadora, organizadora, mantenedora da vida, que deveria sê-lo e que não o é; o que eu critico é a facilidade com que o ser humano se corrompe, com que se torna maligno. 
     Aquela ideia que temos da esperança nas crianças, nos meninos e nas meninas pequenas, a ideia de que são seres aparentemente maravilhosos, de olhares puros, relativamente a essa ideia eu digo: pois sim, é tudo muito bonito, são de fato muito simpáticos, são adoráveis, mas deixemos que cresçam para sabermos quem realmente são. E quando crescem, sabemos que infelizmente muitas dessas inocentes crianças vão modificar-se. E por culpa de quê? É a sociedade a única responsável? Há questões de ordem hereditária? O que é que se passa dentro da cabeça das pessoas para serem uma coisa e passarem a ser outra? Uma sociedade que instituiu, como valores a perseguir, esses que nós sabemos, o lucro, o êxito, o triunfo sobre o outro e todas estas coisas, essa sociedade coloca as pessoas numa situação em que acabam por pensar (se é que o dizem e não se limitam a agir) que todos os meios são bons para se alcançar aquilo que se quer.
   Falamos muito ao longo destes últimos anos (e felizmente continuamos a falar) dos direitos humanos; simplesmente deixamos de falar de uma coisa muito simples, que são os deveres humanos, que são sempre deveres em relação aos outros, sobretudo. E é essa indiferença em relação ao outro, essa espécie de desprezo do outro, que eu me pergunto se tem algum sentido numa situação ou no quadro de existência de uma espécie que se diz racional. Isso, de fato, não posso entender, é uma das minhas grandes angústias. 


José Saramago, in 'Diálogos com José Saramago'


Extravio

Onde começo, onde acabo,
se o que está fora está dentro
como num círculo cuja
periferia é o centro?

Estou disperso nas coisas,
nas pessoas, nas gavetas:
de repente encontro ali
partes de mim: risos, vértebras.

Estou desfeito nas nuvens:
vejo do alto a cidade
e em cada esquina um menino,
que sou eu mesmo, a chamar-me.

Extraviei-me no tempo.
Onde estarão meus pedaços?
Muito se foi com os amigos
que já não ouvem nem falam.

Estou disperso nos vivos,
em seu corpo, em seu olfato,
onde durmo feito aroma
ou voz que também não fala.

Ah, ser somente o presente:
esta manhã, esta sala.

Ferreira Gullar, in 'Antologia Poética'
Espiritualidade Plena
            Apesar de tudo, insisto. A despeito de mim mesmo, teimo. Insisto e teimo por querer a eternidade. Alguém plantou transcendência em minha alma.  Mesmo diante do pavor de confundir esperança com alucinação, não consigo dissimular minha obstinação pelo que está além de mim. Preciso tornar-me peregrino que se descalça diante do Sagrado. Deixar que o Mistério me deixe atônito. Desfazer-me de panos velhos para não remendar-me com os andrajo de uma religiosidade rota.
            Quero uma espiritualidade que enfrente a verdade de existir com tudo o que a vida trouxer de bom ou de ruim.  Desejo viajar até as fronteiras do universo não como fuga, mas como sede da grande Utopia – a mesma que move os Santos. Quero soprar o pavio fumegante da minha voz profética para ser farol, mesmo em um vilarejo distante.
            Anseio por uma espiritualidade que esgote a soberba de minha onipotência e permita que a mesma bruma que empurra a caravela empine a bandeira do meu combate. Preciso repensar a coragem para que a minha força venha da fragilidade.
            Almejo uma espiritualidade suave: delicada como a mão da criança, indefesa como o olhar do cordeiro e despretensiosa como o fluir do ribeiro. Necessito esvaziar-me do desejo de brilhar – que a oração mais pura fique escondida no quarto onde durmo. Ainda hei de encarar o apelo do poder como maldição. Qualquer glória só a Deus pertence.
            Desejo uma espiritualidade que não se encaramuja. Que abre mão de palavras piedosas como disfarce e procura a magia de viver na encarnação, fazendo do corpo o instrumento que transforma a vida.
            Suspiro por uma espiritualidade sem fronteiras. Quero rasgar mapas para chamar o Próximo de meu irmão. Exorcizar o medo de perder a reputação. Abrir espaço para que o excluído se sinta acolhido. Sonho entender como o grão de trigo morre sem murmurar – por saber que carrega o futuro em suas entranhas. Aspiro por uma espiritualidade que ame igualmente o belo e o disforme, o funcional e o deficiente. E alimente a alma com as cores do cotidiano: azul, preto, vermelho, amarelo, cinza, branco.
            Ambiciono navegar e abrir mão de atracar em qualquer Porto Seguro.  Sem âncoras, continuar a singrar o futuro como um oceano de possibilidades.
O Estudo da Sabedoria Nunca Termina

     Ao estudo da sabedoria jamais havereis de pôr termo; não acabe ele antes de acabada a vossa vida. Em três coisas cumpre ao homem pensar e exercitar-se enquanto viva: em saber bem, em bem falar e em bem obrar. 
    Desterra dos teus estudos a arrogância; não fiques presumido pelo que sabes, porque tudo quando sabe o mais sábio homem do mundo nada é em comparação com o muito que lhe falta saber. Mui escasso é, e muito obscuro e incerto, tudo quanto os homens alcançam nesta vida; e os nossos entendimentos, detidos e presos neste cárcere do corpo, estão oprimidos por grandíssima escuridão, trevas e ignorância, e o corte ou fio do engenho é tão cego que não pode cortar, nem passar-lhe de raspão sequer, coisa alguma.
     Afora isto, a arrogância faz com que não possas tirar proveito do estudo; creio que terá havido muitos que não chegaram a sábios e que poderiam tê-lo sido se não dessem a entender que já o eram.
    Deveis guardar-vos, também, de porfias, de competências, de menosprezar ou amesquinhar o que os outros sabem ou não sabem, de desejar vanglórias. Para isto, principalmente, servem os estudos: para nos ensinarem a fugir de tais vícios e de outros semelhantes. 


Juan Luis Vives, in "Introdução à Sabedoria"

Os Convencidos da Vida

     Todos os dias os encontro. Evito-os. Às vezes sou obrigado a escutá-los, a dialogar com eles. Já não me confrangem. Contam-me vitórias. Querem vencer, querem, convencidos, convencer. Vençam lá, à vontade. Sobretudo, vençam sem me chatear. 
     Mas também os aturo por escrito. No livro, no jornal. Romancistas, poetas, ensaístas, críticos (de cinema, meu Deus, de cinema!). Será que voltaram os polígrafos? Voltaram, pois, e em força. 
     Convencidos da vida há-os, afinal, por toda a parte, em todos (e por todos) os meios. Eles estão convictos da sua excelência, da excelência das suas obras e manobras (as obras justificam as manobras), de que podem ser, se ainda não são, os melhores, os mais em vista.
Praticam, uns com os outros, nada de genuinamente indecente: apenas um espelhismo lisonjeador. Além de espectadores, o convencido precisa de irmãos-em-convencimento. Isolado, através de quem poderia continuar a convencer-se, a propagar-se?
     (...) No corre-que-corre, o convencido da vida não é um vaidoso à toa. Ele é o vaidoso que quer extrair da sua vaidade, que nunca é gratuita, todo o rendimento possível. Nos negócios, na política, no jornalismo, nas letras, nas artes. É tão capaz de aceitar uma condecoração como de rejeitá-la. Depende do que, na circunstância, ele julgar que lhe será mais útil.
     Para quem o sabe observar, para quem tem a pachorra de lhe seguir a trajetória, o convencido da vida farta-se de cometer «gaffes». Não importa: o caminho é em frente e para cima. A pior das «gaffes», além daquelas, apenas formais, que decorrem da sua ignorância de certos sinais ou etiquetas de casta, de classe, e que o inculcam como um arrivista, um «parvenu», a pior das «gaffes» é o convencido da vida julgar-se mais hábil manobrador do que qualquer outro. 
     Daí que não seja tão raro como isso ver um convencido da vida fazer plof e descer, liquidado, para as profundas. Se tiver raça, pôr-se-á, imediatamente, a «refaire surface». Cá chegado, ei-lo a retomar, metamorfoseado ou não, o seu propósito de se convencer da vida - da sua, claro - para de novo ser, com toda a plenitude, o convencido da vida que, afinal... sempre foi. 

Alexandre O'Neill, in "Uma Coisa em Forma de Assim"

A Adversidade é Essencial

     Porquê espantar-nos que possa ser vantajoso, por vezes mesmo desejável, expor-nos ao fogo, às feridas, à morte, à prisão? Para o homem esbanjador a austeridade é um castigo, para o preguiçoso o trabalho equivale a um suplício; ao efeminado toda a labuta causa dó, para o indolente qualquer esforço é uma tortura: pela mesma ordem de ideias toda a atividade de que nos sentimos incapazes se nos afigura dura e intolerável, esquecendo-nos de que para muitos é uma autêntica tortura passar sem vinho ou acordar de madrugada! Qualquer destas situações não é difícil por natureza, os homens é que são moles e efeminados!
     Para formar juízos de valor sobre as grandes questões há que ter uma grande alma, pois de outro modo atribuiremos às coisas um defeito que é apenas nosso, tal como objetos perfeitamente direitos nos parecem tortos e partidos ao meio quando os vemos metidos dentro de água. O que interessa não é o que vemos, mas o modo como o vemos; e no geral o espírito humano mostra-se cego para a verdade!
     Indica-me um jovem ainda incorrupto e de espírito alerta, e ele não hesitará em julgar mais afortunado o homem capaz de suportar todo o peso da adversidade sem dobrar os ombros, o homem capaz de alçar-se acima da fortuna. Não é proeza nenhuma manter a calma quando a situação é tranquila; é admirável, pelo contrário, conservar o ânimo quando todos se deixam abater, mantermo-nos em pé quando todos jazem por terra. O que há de mal na tortura e em tudo o mais a que damos o nome de «adversidade»? Apenas isto, segundo penso: o fato de nos abaixar, abater, humilhar o espírito. Ora nada disto pode suceder ao homem sábio, o qual se mantém vertical seja qual for o peso sobre os seus ombros. A um tal homem, coisa alguma deste mundo pode humilhar; um tal homem a nada do que é inevitável se recusa. O sábio não se lamenta se lhe acontecer algo daquilo a que a condição humana está sujeita. Conhece as próprias forças, sabe que não vergará sob o peso. Com isto eu não estou a colocar o sábio à parte do comum dos homens nem a julgá-lo inacessível à dor como se de um penedo inacessível se tratasse. Apenas recordo que o sábio é composto de duas partes: uma é irracional, e sensível, portanto, às feridas, às chamas, à dor; a outra é racional, dotada de convicções inabaláveis, inacessível ao medo, indomável. É nesta parte que reside o bem supremo para o homem. Enquanto o seu bem próprio ainda está por preencher, o espírito do homem pode resvalar na incerteza, mas desde o momento em que atinge a perfeição adquire para sempre a estabilidade total. 

Sêneca, in 'Cartas a Lucílio'

quarta-feira, abril 29, 2015

segunda-feira, fevereiro 09, 2015



Primal Scream (Live Berlin Festival) - 2011






Street Art/Graffiti - PF/RS.








B&W - (UPF - Universidade de Passo Fundo/RS.)





DINOSAUR JR. (IN SESSION)



quinta-feira, janeiro 29, 2015



STREET ART/GRAFFITI/BARCELONA/SPAIN.


terça-feira, janeiro 27, 2015


Caetano Veloso e Jorge Mautner - Todo Errado



SEBASTIÃO SALGADO




A EPIFANIA DE SEPÉ


Em sendo chegado o tempo
de um novo evangelho
e velhas revelações
da renovação dos mundos
na evolução do Universo.

Sepé vem do Céu,
sem trombetas e sem pompa,
para restaurar a humanidade
e aniquilar a maldade,
para ensinar outra vez
os preceitos rituais,
as regras da convivência
e as normas de conduta,
- a justiça e as leis
das regiões siderais,
a arte de bem viver,
de se entender,
a fórmula da justiça,
da alegria, harmonia e da paz.

Sepé, no entanto
viu que o povo sofria,
já não mais sorria,
carente de conhecimento,
alegria nunca mais,
coitados! vivendo como animais.

Cheio de aporrinhação e
farto de ouvir uis e ais ...
Sepé meditou
sobre o seu nome, destino e missão:
boca silente, reticente,
que jamais disse jamais.


Sepé se enfurece
e rasga sem dó nem pena
a plumagem de metáforas
da linguagem angelical,
escangalha o figurino,
transgride os protocolos
e códigos celestinos,
espezinha os floreios
da retórica divina.


Torna-se o linguarudo,
desbocado,
boquejante,
boquirroto,
boquinegro,
bocudo.


Sepé filosofa:
- Esta vida é um buraco
do buraco todos vêm,
ao buraco todos vão.
E não escapa ninguém.


Buraco que come,
buraco que defeca,
buraco que vê,
buraco que ouve,
buraco que fala,
buraco que pensa,
buraco que anda,
buraco que sente,
buraco que ama,
buraco que sofre,
buraco que chora,
buraco que sonha...


Sepé desembucha,
escancara a bocarra,
solta a língua, mostra os dentes, rasga o verbo,
revela, desvela, escarra, esparra.


Clama e proclama
a sua epifania,
conta os segredos,
desvenda os mistérios ...


- desencanta o mal.


Boca interditada
por leis e editais,
boca lacrada
por lacres morais,
boca selada
por falar demais,
boca atarraxada
por conveniências,
já não serei mais.

Sendo mister acabar
com a farsa milenar,

derrotar a esfinge,
matar a charada,
decifrar o enigma,
quebrar o encanto,
vencer o dragão,
enganar o diabo,
desafiar os deuses,
dizer o indizível,
com todas as letras,

o vazio dos místicos,
o vácuo dos cientistas,
o abismo teológico,
o nada dos paspalhões,
o ocão insofismável,

a coisa intangível,
a coisa imponderável,
a coisa incognoscível,
a coisa inefável,
a coisa inominável,
a coisa abominável,
a coisa numinosa,
a coisa secreta,
a coisa misteriosa,
a coisa terrível,
a coisa maldita,
a coisa vergonhosa,


a coisa em si.


Bright Eyes - Arienette




Daniel Galieote