sexta-feira, junho 27, 2014



(Piérce Willians / As Irmãs da Providência)


A neblina apaga o sol, sufocando o meu bem querer;
Desde quando você me deixou, esta vida é feito morrer.
E eu já fui mais bonito e eu já fui mais feliz;
Hoje, nem acredito:
Só sei viver por um triz...
Mas eu te quero de volta, nem que seja uma vez;
Nem que seja um adeus e até ‘nunca mais’.
Nenhum adeus é pra sempre e nem o sempre é jamais:
A tristeza da gente é acordar pra viver.
A tristeza da gente é acordar pra viver;
A tristeza da gente é acordar pra viver...


A Nossa Vitória de cada Dia


            Olhe para todos ao seu redor e veja o que temos feito de nós e a isso considerado vitória nossa de cada dia. Não temos amado, acima de todas as coisas. Não temos aceito o que não se entende porque não queremos passar por tolos. Temos amontoado coisas e seguranças por não nos termos um ao outro. Não temos nenhuma alegria que não tenha sido catalogada. Temos construído catedrais, e ficado do lado de fora pois as catedrais que nós mesmos construímos, tememos que sejam armadilhas. Não nos temos entregue a nós mesmos, pois isso seria o começo de uma vida larga e nós a tememos.

            Temos evitado cair de joelhos diante do primeiro de nós que por amor diga: tens medo. Temos organizado associações e clubes sorridentes onde se serve com ou sem soda. Temos procurado nos salvar mas sem usar a palavra salvação para não nos envergonharmos de ser inocentes. Não temos usado a palavra amor para não termos de reconhecer a sua contextura de ódio, de amor, de ciúme e de tantos outros contraditórios. Temos mantido em segredo a nossa morte para tornar a nossa vida possível. Muitos de nós fazem arte por não saber como é a outra coisa. Temos disfarçado com falso amor a nossa indiferença, sabendo que nossa indiferença é angústia disfarçada. Temos disfarçado com o pequeno medo o grande medo maior e por isso nunca falamos no que realmente importa. Falar no que realmente importa é considerado uma gafe. 

            Não temos adorado por termos a sensata mesquinhez de nos lembrarmos a tempo dos falsos deuses. Não temos sido puros e ingênuos para não rirmos de nós mesmos e para que no fim do dia possamos dizer «pelo menos não fui tolo» e assim não ficarmos perplexos antes de apagar a luz. Temos sorrido em público do que não sorriríamos quando ficássemos sozinhos. Temos chamado de fraqueza a nossa candura. Temo-nos temido um ao outro, acima de tudo. E a tudo isso consideramos a vitória nossa de cada dia. 


Clarice Lispector, in 'Uma Aprendizagem ou o Livro dos Prazeres'





SAIBA
Arnaldo Antunes

Saiba,
Todo mundo foi neném
Einstein, Freud e Platão também
Hitler, Bush e Sadam Hussein
Quem tem grana e quem não tem
Saiba:
Todo mundo teve infância
Maomé já foi criança
Arquimedes, Buda, Galileu
e também você e eu
Saiba,
Todo mundo teve medo
Mesmo que seja segredo
Nietzsche e Simone de Beauvoir
Fernandinho Beira-Mar
Saiba,
Todo mundo vai morrer
Presidente, general ou rei
Anglo-saxão ou muçulmano
Todo e qualquer ser humano
Saiba,
Todo mundo teve pai
Quem já foi e quem ainda vai
Lao Tsé, Moisés, Ramsés, Pelé
Ghandi, Mike Tyson, Salomé
Saiba,
Todo mundo teve mãe
Índios, africanos e alemães
Nero, Che Guevara, Pinochet
e também eu e você.

quarta-feira, junho 25, 2014

Os Gêmeos
 

Os Gemeos

"Blue Girl"

PHOTOGRAPHY 
Stefan Werkhäuser


STREET ART/GRAFFITI
Faith47


URBANOSOFIA

A cidade frita,
Em cada uma das suas esquinas,
Entre os seus sinuosos escuros rios,
Asfalto fervente e brita.

Amplia-se pelos becos,
De caminhos estreitos,
E grandes buracos,
Feito trepadeira,
Em avenidas tentáculos,
Por terrenos baldios,
Infestados de baratas e ratos,
Pelas multidões delirantes.

Na sincity são comuns as pragas,
Algumas mutantes,
Políticos e contribuintes,
Amanhã, agora e antes.

Salvam-se os museus, as bibliotecas, as flores e os muros grafitados com a arte que resta,
O resto da necessidade pictórica,
Num arremedo que retrata a vida caricata psicótica
E o roto urbano calafrio.

O som do silêncio!
Aos olhos cegos e frios,
Em febre convulsa,
Tremendo na base,
A urbe geme!
Mas as paredes são surdas...
Espaço-ambiente em perplexidade,
Grito e buzinas,
Noise,
Mundo hipertélico (sem finalidade para ótica midiática),
A expansão demográfica geográfica alucina,
Arquitetura gelatina,
Diante de tanto concreto,
Diante de tanto cinza,
Preto e branco,
Vela derretida,
Fotografia apagada,
Filme velado,
Diante de um prisma com tantas luzes brilhantes,
Num reflexo de modernidade,
Desconexo cintilante,
Que forma a paisagem de sentimentos.

A cidade é aonde você corre mais para poder ficar no mesmo lugar.

Habitamos numa floresta de símbolos,
Sem árvores,
Um cemitério de sensações e memórias vazias...
Você cidade,
É ainda crua,
Um pálido devaneio,
Parecendo desenho sem claridade,
 Do murcho seio,
Ou talvez uma vidraça suja e embaçada,
Imersa na perversa e intrincada urbanosofia...
Trincada pelo
Stress sistemático,
Que desafia
O complexo,
O caótico viver da guerrilha urbana,
Numa luta contra grades, paredes, muros e pedras,
Onde talvez,
De maneira eficaz,
Somente a poesia,
Seja capaz,
Numa noite de chuva fria,
 De atravessá-las...
Em busca de um universo perdido,
O mundo paralelo das nossas satisfações.

Você praça,
Acho graça!
Clowncity palhaça.

Você prédio,
Acho tédio!

Não queira tapar meu horizonte e os olhos da rua,
Pois isto só permito para a luminosa lua.