segunda-feira, novembro 07, 2011


Crime e Castigo

outro ciclo se inicia

no centro direita e esquerda de mim uma imagem híbrida distorcida

tive a sorte de nascer homo sapiens com reminiscências um tanto que insuportáveis e não deus

caído por pensar querer questionar não se conformar com um plano que não é meu

teste medonho diante da fraqueza e fragilidade humana

fui arrastado para uma realidade que não soube aceitar

não há cura para essa dor

nem o amor salva

anjo de luz apocalíptico luciférico palhaço da libido e o verdadeiro fornecedor do dito livre-arbítrio

o adversário tentador

quem sutilmente lhe descortinou o véu da ignorância

fui eu que fiz ou você que quis!?

por isso tudo me foi retirado

mesmo como cordeiro imolado

não fui perdoado

não tive como recomeçar

por possibilitar o mundo acordar

credor da energia vital daqueles que me rejeitam

não tive tempo

apenas prazo

mas a contagem não para

eu não tenho data para comemorar

as vezes é matar ou morrer

fui ontem para Lisboa para enterrar Fernando Pessoa

num jazigo banal do Mosteiro dos Jerónimos

junto de reis e nobres

ali em Belém

sabe aquele pastel

que mais parece uma tortinha de creme

surpreendeu-o a morte

a doença que não lhe pertencia

anterior modesta hospitaleira

acertou-o em cheio

a facada da misericórdia a liquidá-lo

de um susto

todo portuga a contragosto

[estética moral metafísica

todo esse comércio sem escrúpulo

inclusive ciência fé amor]

inclusive Eu desço com ele à cova

até Florbela

está-se indefeso ante esse tipo de coisa

mesmo um morto esquivo à companhia

sobre quem sempre quis soltar os cachorros

sem casa sem amor sem título sem dinheiro

detido agora no abismo & no silêncio

ferve a ausência & o mistério que sempre souberam

os iniciados no caminho da serpente

como pode-se verificar na estação dos comboios

sutil impressão pintada a mão nos ladrilhos

que chamamos de azulejos

ou seja aqueles ladrilhos que são azuis.

anjo cego torto da expiação

bode baphomet expiatório da civilização

ele estava esperando

em silêncio sofrendo esperando

entregava-se de carne e alma ao que criava

um livro sem título

um poema amigo

um rabisco quase incompreensível

o dorso amargo de uma fruta que de tão madura estava quase podre

tipo uma vermelha e linda maça que por dentro é outra coisa

linha tênue do sabor e saber

em que se confunde o que presta do que não presta

questão de gosto e diferenciação

charada da vida

como ou não como!?

em que se via o antes agora e depois

expresso em palavras e símbolos talvez sem rumo e quase sem sentido aos profanos e neófitos

provocados ao entrar na nave Mãe

Deus é Pai!?

não mais de ferro seda cetim veludo e aço polido vestido

nem nos eternos pergaminhos amarelados

propagados pelas escrituras ditas sacras

mas construído no ar e espaço tempo deformado

para a viagem do mito & a dúvida dos horizontes

folha seca de bizarra flor negra

exposta a uma tempestade que se multiplica na memória

prorrogada até a última noite do dia da verdade

a um limiar interdito

no fim a fenda do salto quântico do nada

último sussurro e voz seguida ainda de uma outra e ainda de um eco

onde o verbo dissolve todos os elos

o abismo do buraco negro da anti-matéria

onde o prazer é risco de vida

açoitado pelo vento gélido

congelando as asas dos que vivem ziguezagueando no alto

pronunciando palavras aéreas

junto dos minúsculos demônios vermelhos e negros

avançando crescendo

movendo-se

com a precisão milimétrica dos minúsculos planetas

& depois

quebrando-se

perdidos & abismados fragmentos deléterios

emissários alados da morte

sentados no colo do poeta

eu vi o mar & sua serpente sépia & harpias & incubus & sucubus

também elementais que desafiam os pretensos conhecedores do bóson de Higgs

o fervor da pronúncia áspera das águas

de uma palavra que conduza os mortos para o outro mundo

a boca que a loucura gostaria de ter

mar revolto em que o último irmão foi engolido até o fundo abissal

arrastado pelos monstros e seres profundos

cansado de nada encontrar

tudo e nada que não fala tem uma segunda morte

a noite a chuva o dragão sarnento e vesgo

as más notícias que chegam com as águas e impressões oníricas chamadas de sonhos ou pesadelos

tudo com o que não é possível se conciliar nesta breve e efêmera existência

deito e acordo com a palavra na língua enrolada do meu sonho fúnebre

que me fará atravessar & sucumbir como a magra carcaça

do afogado em sua patética mudez tagarela

o poeta unge o acaso com a taça trincada vazia

a dor é a noiva das alegrias!

[atravessar oceanos de sangue enfrentar exércitos sozinho e descer aos infernos sem poder chorar ou implorar pela compreensão incompreensível da energia cósmica universal]