quinta-feira, dezembro 29, 2011



FLORBELA ESPANCA


Florbela Espanca trancou-se no quarto. Já passava das 2 da manhã. Que presente poderia querer ela naquele 8 de dezembro de 1930, seu 36º aniversário? Ninguém sabe. Ao marido, Mário Lage, deixou a recomendação de que não fosse incomodada até a manhã seguinte. E de fato nenhuma pessoa o fez, nunca mais. Naquela madrugada, deitada na cama, sem “haver gestos novos nem palavras novas” – como dias antes escrevera pela última vez no que havia intitulado de Diário do Último Ano –, a poeta portuguesa suicidou-se ingerindo dois frascos do barbitúrico Veronal.

Desde então, ela é alvo de extensos estudos e biografias. A fama de transgressora, por ter desafiado os preceitos da sociedade – casou-se três vezes e frequentava a boemia, fumando e bebendo, por exemplo – transformou-se nas nomenclaturas precursora e feminista. E, se o reconhecimento, justamente por ser mulher, foi inferior ao que tiveram seus contemporâneos Fernando Pessoa e Mário de Sá-Carneiro, hoje ocupa imenso destaque nos círculos literários.


Uma flor


Dores e dúvidas, às centenas, sobre díspares perspectivas da existência são tão recorrentes na vida e na obra de Florbela que até norteiam seu primeiro poema, “A Vida e a Morte”, escrito com precoces 8 anos de idade. Em outra frente, engano é reduzir a sofrimentos sua história. A menina miúda, de olhos negros e mente inquieta, experimentou as pequenas e grandes alegrias reservadas a qualquer ser humano.

Quando pequena, compartilhou com satisfação a vida em família, período em que vivia em Vila Viçosa, cidade onde nasceu. Mãe tinha duas: Antônia da Conceição Lobo e Mariana Toscano. A primeira, de sangue; a segunda, de criação.

Acontece que Mariana, a mulher legítima de João Maria Espanca, não podia engravidar. Para ser pai, ele recorreu a uma regra medieval, muito aceita pela sociedade portuguesa da época, que permitia ao homem, nesse tipo de situação, ter com outra os descendentes que seriam adotados pela esposa. A escolhida foi Antônia, empregada da residência, com quem João teve também outro fruto, Apeles Espanca, dois anos mais jovem que Florbela.

Embora trabalhasse na mesma casa, o contato íntimo entre mãe biológica e filha só existiu nos primeiros meses de vida, quando era amamentada. Para a docente e pesquisadora da Unesp Renata Soares Junqueira, autora do livro Florbela Espanca – Uma Estética da Teatralidade (Editora da Unesp), tal fato contribuiu muito para o direcionamento artístico da escritora. “Ela transpôs para os seus poemas a imagem da mulher triste, abandonada pela sorte desde o nascimento”, enfatiza ao mesmo tempo em que adverte para não se cometer o equívoco, todavia, de pressupor que seus relatos são invariavelmente biográficos. “Durante muitos anos a crítica se assenhoreou, com poucas exceções, em identificar nas entrelinhas de toda a poesia eventos da biografia de Florbela. Criou-se, assim, uma enorme confusão entre realidade e ficção. Temos de tomar cuidado para não confundirmos a vida com a obra.”


Primeiros passos


Para a escritora portuguesa, nunca importou se a mulher era vista com inferioridade pela sociedade machista. Se para a maior parte delas cabia apenas concluir a escola primária, Florbela aspirava por mais. Em 1908, aos 11 anos, foi uma das primeiras a ingressar no curso secundário do Liceu de Évora, cidade alentejana para onde seus pais se mudaram a fim de facilitar os estudos da filha.

Nesse mesmo ano, recebeu a notícia da morte de sua mãe Antônia da Conceição, de quem, mais do que características físicas, herdou a doença que viria a lhe perturbar todos os próximos anos: a neurastenia, causadora de transtornos psicológicos e muitas dores de cabeça.

Ainda adolescente, três eram as suas paixões: o irmão, com quem mantinha profundos laços fraternos; o pai, com quem dividia o gosto pela fotografia; e o colega de estudo Alberto Moutinho, um ano mais velho e o primeiro marido, em cerimônia oficializada em 1913, na data do aniversário de 19 anos da escritora.



Amar perdidamente


De matrimônio estabelecido, não é surpresa que Florbela não fosse a esposa subserviente. Dona de um temperamento forte, só fazia o que lhe agradava, principalmente escrever. “Ela era incapaz de viver submissa a um homem, por mais que o amasse. Não aceitava que o amor fosse o confinamento da mulher. E, mesmo casada, sempre lutou para publicar seus versos, atividade condenada por seus maridos”.

Mas amar, justamente, era o motor propulsor da escritora. Seja o que demonstrou nos versos, no esforço para publicar o primeiro título, Livro de Mágoas, em 1919, seja o carnal propriamente dito. Certo é que as maiores transformações de sua vida vieram à tona a partir dos 23 anos.

Em Lisboa, onde ingressou na Faculdade de Direito, viveu com intensidade a boemia e travou contato com outros autores, como José Schimidt Rau e Vasco Caméliet. Mas foi lá, todavia, que sofreu um grande dissabor: um aborto espontâneo. O acontecimento, seguido de uma profunda crise neurastênica e a instabilidade emocional da autora, resultou no fim do casamento, em 1921.

Recuperada, Florbela apaixonou-se por Antônio Guimarães, oficial de artilharia da Guarda Republicana. Foi com ele que se casou em junho do mesmo ano. Mais uma vez, o amar a alimentava. Sentimento este que é agudo em sua obra e inato nas publicações subsequentes, Livro de Soror Saudade (1923) e Charneca em Flor (1930), em versos como: “Eu quero amar, amar perdidamente! / Amar só por amar: Aqui… além… / Mais Este e Aquele, o Outro e toda a gente… / Amar! Amar! E não amar ninguém!”.

Mas o novo casamento durou pouco mais de três anos, até 1925, período marcado por um segundo aborto involuntário e novas crises de saúde. O amar, embora contido em toda a obra, revelava-se na vida real mais turbulento do que nos versos.

Antes mesmo de oficializar o segundo divórcio, porém, Florbela passou a dividir uma casa com sua mais nova paixão: o médico Mário Lage. Em sua companhia, sofreria a maior perda: a morte do irmão, Apeles, em 1927, em um acidente com o hidroavião que ele pilotava.


Sou eu!


Florbela está entregue às graves crises da doença que lhe acomete desde a adolescência. E, se não bastasse, é diagnosticada com edema pulmonar. Mesmo assim, fuma e emagrece demais. Alegra-se com flores e livros. O ano é 1930, o último.

Sem querer pertencer a qualquer estilo literário, continua a produzir incessantemente contos, traduções de romances franceses, e a colaborar em revistas femininas. Em seus versos, deixa perpassar o erotismo que revoluciona ao trazer a mulher ao domínio da relação. O que também provoca um olhar de desconfiança e preconceito da crítica.

Todavia, a Florbela Espanca de carne e osso não se importa com mais nada. É dela a melhor definição de quem foi e ainda existe: “O meu mundo não é como o dos outros, quero demais, exijo demais, há em mim uma sede de infinito; sou antes uma exaltada, com uma alma intensa, violenta, atormentada, uma alma que não se sente bem onde está, que tem saudades… sei lá de quê!”



Inatividade em Esboço


Estou aposentado.
Enfim terminei. Ponto final.
Restou-me o céu estrelado
E as flores do meu quintal.

Subi ao cume da montanha escura
Da Vida e Morte... Enorme ascensão:
Uns mil metros de altura
Acima do reles chão.

Lançando um olhar profundo
Dessa altura sobre-humana,
Vi quanto é pequeno o mundo
E grande a tragédia humana

Vi a traição e a cobiça
Fazendo festins e bacanais,
No corpo nu e olhos cegos da Justiça,
Às portas dos tribunais.

Vi que a história, um sonho breve,
Na noite imensa e voraz,
Se é tácito quem a escreve,
É a gente que a faz.

Guio-me apenas, pela distante,
Luz ingênua da crença,
Vaga nebulosa errante
Nas trevas da noite imensa...


Mal enxergo pela fenda do véu da ilusão,

Mal caibo em mim mesmo;

Por farol o coração,

Pelo mar, navego a esmo.

segunda-feira, dezembro 19, 2011


"(...) Deus fala de um modo, sim, de dois modos, mas o homem não atenta para isso. Em sonho ou em visão de noite, quando cai o sono profundo sobre os homens, quando adormecem na cama, então lhes abre os ouvidos e lhes sela a sua instrução, para apartar o homem do seu desígnio e livrá-lo da soberba; para guardar a sua alma da cova e a sua vida de passar pela espada."

Jó 33. 14-18


Entre o Sono e Sonho


Entre o sono e sonho,
Entre mim e o que em mim
É o quem eu me suponho
Corre um rio sem fim.

Passou por outras margens,
Diversas mais além,
Naquelas várias viagens
Que todo o rio tem.

Chegou onde hoje habito
A casa que hoje sou.
Passa, se eu me medito;
Se desperto, passou.

E quem me sinto e morre
No que me liga a mim
Dorme onde o rio corre —
Esse rio sem fim.


Fernando Pessoa, in "Cancioneiro"



AB IMO PECTORE


Era uma noite chuvosa — no chão molhado eu dormia

E nos meus sonhos atormentados revia

As ilusões que sonhei!

Sonhei que vivia...

Meu Deus ! porque não morri ?

Porque do sono acordei ?


Sou eu ! que não esqueci

As noites que não dormi,

Que não foi uma ilusão

Sou eu que sinto morrer

A esperança de viver....

No fundo do coração !


Tudo bem que tu rias das esperanças,

Das minhas loucas lembranças,

Que me corroem assim,

Ou então no silêncio da madrugada, com medo

Chorarias em segredo

Uma lágrima por mim ?


Dorme, meu coração! em paz esquece

Tudo, tudo que amaste neste mundo!

Antes do sonho, uma prece,

Não interrompa meu dormir profundo!


Meu triste coração, dorme na noite calma,

Dorme no peito meu!

Do derradeiro sonho despertei, e na alma

Tudo! tudo morreu !


Feliz daquele que no livro da alma

Não tem folhas escritas,

E nem saudade amarga, arrependida,

Nem lágrimas negras malditas!


Alma em pranto, sedenta de infinito,

Em amplas visões o universo se abrindo,

Como a brisa fria no céu noturno, como se acordasse com um grito,

Entre os mundos de Deus passei dormindo!

sexta-feira, dezembro 09, 2011


Dizem que finjo ou minto


Dizem que finjo ou minto
Tudo que escrevo. Não.
Eu simplesmente sinto
Com a imaginação.
Não uso o coração.

Tudo o que sonho ou passo,
O que me falha ou finda,
É como que um terraço
Sobre outra coisa ainda.
Essa coisa é que é linda.

Por isso escrevo em meio
Do que não está ao pé,
Livre do meu enleio,
Sério do que não é,
Sentir, sinta quem lê!


Fernando Pessoa



DEZ IX - I


Quase todas as coisas têm o aspecto baço e mudo,

Como que envolvidas por uma densa bruma de incenso;

No alto, uma nuvem, só, ocupando espaço extenso,

Pedaço do céu de veludo.


DEZ IX - II


Caro Poeta, quando te leio, a angústia dolorida

Que te preenche a existência e que em teu coração impera,

Faz-me também sofrer e da alma se apodera,

Como se de dentro de mim ela fosse nascida.

Sinto o que sentes: ora a lágrima sincera

Que foi pela saudade ou pelo amor vertida,

Ora a tristeza, que habita em tua alma, — guarida

Onde a negra legião se aglomera...

Não há nesses versos um sentimento alheio

A dor; neles se encontra a aspereza das pragas;

Há neles ora as ondas do radar de como veio

o morcego, ora a queixa harmônica das águas.. .

Leio os teus poemas; e, em minha alma, quando, os leio,

Vão gemendo, em surdina, a melodia das mágoas. . .

sexta-feira, novembro 25, 2011


SONHANDO ACORDADO


Vou e vou te levando,

Enquanto temos algum tempo,

Sou filho do vento,

Que me ensina a voar,

A luz que me ilumina sai de dentro,

Sem olhos enxergo o que há,

Sinto sem o tato,

O ponteiro do relógio que não marca o segundo de ontem,

O primeiro de hoje está atrasado e não exato,

Decifra o quinto elemento,

Elevando o teu pensamento e não cuspindo no prato.


Examina detalhadamente os pontos de interrogação,

Aonde perdeu, o que ganhou,

O que comeu, aonde defecou,

Já é tempo de entender o ensinamento,

Chegado é o momento,

De aplicar o que aprendeu,

Se é teu ou meu, não mais importa,

Você é que não sabe,

Que a viagem já começou,

O que ficou, ficou,

Virá do céu, virá do mar,

Em forma de homem, em forma de mulher,

Num clipe sem nexo,

Terror retrocesso,

Fumaça do inferno,

Bracelete de colher,

Máquina de lavar.



Estou preso nos teu olhos sem amor,

Finjo que o meu beijo te acalma,

Testo os limites da dor,

Retalho em pedaços a minha e a tua alma.


Não te peço que me conte como é o teu mundo,

Me contento apenas em te encontrar nos meus sonhos,

Mesmo que seja medonho e profundo,

Rindo dessa frágil promessa e do que fomos.


Tipo assim …!?

Tá ligada!!


Aquele sabe como não preciso nem dizer.....


'Durmo' sem nem mesmo ter sono,

Fecho os olhos e de repente você surge como se realidade fosse,

Chego até mesmo sentir o cheiro do teu perfume doce,

E sobre o pano,

Dito lençol,

Suo, me retorço e vivo,

Mais alguns segundos ao teu lado.


Vamos nos encontrar hoje de noite em meu sonho ou no seu, meu amor?

quinta-feira, novembro 24, 2011


O cemitério, o corvo, o verme e o corpo


Quando chega a noite nos túmulos sombrios,

A lua espalha pálida prateada cor,

Dói uma saudade com cada flor,

Rolam cristais com lágrimas em fios,

Tremem as cruzes sobre os leitos frios ,

Por esse império do mais negro horror,

E sobre os corpos hirtos, sem calor

Abrem as asas os corvos bravios.


Ouvem-se os gritos d'agourentas aves,

Que, perpassando da capela as naves,

Ousam da morte perturbar o sono.

Tudo ali dorme; só não dorme a terra,

Porque a terra que o corpo envolve, encerra

Do verme atroz o pavoroso trono.


O cemitério na madrugada


Às cinco da manhã a angústia se veste de branco
E fica como louca, sentada, espiando o mar...
É a hora em que se acende o fogo-fátuo da madrugada
Sobre os mármores frios, frios e frios do cemitério
E em que, embaladas pela harpa cariciosa das pescarias
Dormem todas as crianças do mundo.

Às cinco da manhã a angústia se veste de branco
Tudo repousa... e sem treva, morrem as últimas sombras...
É a hora em que, libertados do horror da noite escura
Acordam os grandes anjos da guarda dos jazigos
E os mais serenos cristos se desenlaçam dos madeiros
Para lavar o rosto pálido na névoa.

Às cinco da manhã... – tão tarde soube – não fora ainda uma visão
Não fora ainda o medo da morte em minha carne!
Viera de longe... de corpo lívido de amante
Do mistério fúnebre de um êxtase esquecido
Tinha-me perdido na cerração, tinha-me talvez perdido
Na escuta de asas invisíveis em torno...

Mas ah, ela veio até mim, a pálida cidade dos poemas
Eu a vi assim gelada e hirta, na neblina!
Oh, não eras tu, mulher sonâmbula, tu que eu deixei
Banhada do orvalho estéril da minha agonia
Teus seios eram túmulos também, teu ventre era uma urna fria
Mas não havia paz em ti!

Lá tudo é sereno... Lá toda a tristeza se cobre de linho
Lá tudo é manso, manso como um corpo morto de mãe prematura
Lá brincam os serafins e as flores, bimbalham os sinos
Em melodias tão alvas que nem se ouvem...
Lá gozam miríades de vermes, que às brisas matutinas
Voam em povos de borboletas multicolores...

Escuto-me falar sem receio; esqueço o amanhã distante
O vento traz perfumes inconfessáveis dos pinheiros...
Um dia morrerão todos, morrerão as amadas
E eu ficarei sozinho, para a hora dos cânticos exangues
Hei de colar meu ouvido impaciente às tumbas amigas
E ouvir meu coração batendo

Tu trazes alegria à vida, ó Morte, deusa humílima!
A cada gesto meu riscas uma sombra errante na terra
Sobre o teu corpo em túnica, vi a farândola das rosas e dos lírios
E a procissão solene das virgens e das madalenas
Em tuas maminhas púberes vi mamarem ratos brancos
Que brotavam como flores dos cadáveres contentes.

Que pudor te toma agora, poeta, lírico ardente
Que desespero em ti diz da irrealidade das manhãs?
A Morte vive em teu ser... – não, não é uma visão de bruma
Não é o despertar angustiado após o martírio do amor
É a Poesia... – e tu, homem simples; és um fanático arquiteto
Ergues a beleza da morte em ti!

Oh, cemitério da madrugada, por que és tão alegre
Por que não gemem ciprestes nos teus túmulos?
Por que te perfumas tanto em teus jasmins
E tão docemente cantas em teus pássaros?
És tu que me chamas, ou sou eu que vou a ti
Criança, brincar também pelos teus parques?

Por ti, fui triste; hoje, sou alegre por ti, ó morte amiga
Do teu espectro familiar vi se erguer a única estrela do céu
Meu silêncio é o teu silêncio – ele não traz angústia
É assim como a ave perdida no meio do mar...
......................................................................................

Serenidade, leva-me! guarda-me no seio de uma madrugada eterna!


Vinícius de Moraes

Rio de Janeiro, 1938

in Novos Poemas
in Antologia Poética
in Poesia completa e prosa: "A saudade do cotidiano"

O deus-verme

Factor universal do transformismo.
Filho da teleológica matéria,
Na superabundância ou na miséria,
Verme — é o seu nome obscuro de batismo.

Jamais emprega o acérrimo exorcismo
Em sua diária ocupação funérea,
E vive em contubérnio com a bactéria,
Livre das roupas do antropomorfismo.

Almoça a podridão das drupas agras,
Janta hidrópicos, rói vísceras magras
E dos defuntos novos incha a mão...

Ah! Para ele é que a carne podre fica,
E no inventário da matéria rica
Cabe aos seus filhos a maior porção!

Augusto dos Anjos

segunda-feira, novembro 07, 2011


Crime e Castigo

outro ciclo se inicia

no centro direita e esquerda de mim uma imagem híbrida distorcida

tive a sorte de nascer homo sapiens com reminiscências um tanto que insuportáveis e não deus

caído por pensar querer questionar não se conformar com um plano que não é meu

teste medonho diante da fraqueza e fragilidade humana

fui arrastado para uma realidade que não soube aceitar

não há cura para essa dor

nem o amor salva

anjo de luz apocalíptico luciférico palhaço da libido e o verdadeiro fornecedor do dito livre-arbítrio

o adversário tentador

quem sutilmente lhe descortinou o véu da ignorância

fui eu que fiz ou você que quis!?

por isso tudo me foi retirado

mesmo como cordeiro imolado

não fui perdoado

não tive como recomeçar

por possibilitar o mundo acordar

credor da energia vital daqueles que me rejeitam

não tive tempo

apenas prazo

mas a contagem não para

eu não tenho data para comemorar

as vezes é matar ou morrer

fui ontem para Lisboa para enterrar Fernando Pessoa

num jazigo banal do Mosteiro dos Jerónimos

junto de reis e nobres

ali em Belém

sabe aquele pastel

que mais parece uma tortinha de creme

surpreendeu-o a morte

a doença que não lhe pertencia

anterior modesta hospitaleira

acertou-o em cheio

a facada da misericórdia a liquidá-lo

de um susto

todo portuga a contragosto

[estética moral metafísica

todo esse comércio sem escrúpulo

inclusive ciência fé amor]

inclusive Eu desço com ele à cova

até Florbela

está-se indefeso ante esse tipo de coisa

mesmo um morto esquivo à companhia

sobre quem sempre quis soltar os cachorros

sem casa sem amor sem título sem dinheiro

detido agora no abismo & no silêncio

ferve a ausência & o mistério que sempre souberam

os iniciados no caminho da serpente

como pode-se verificar na estação dos comboios

sutil impressão pintada a mão nos ladrilhos

que chamamos de azulejos

ou seja aqueles ladrilhos que são azuis.

anjo cego torto da expiação

bode baphomet expiatório da civilização

ele estava esperando

em silêncio sofrendo esperando

entregava-se de carne e alma ao que criava

um livro sem título

um poema amigo

um rabisco quase incompreensível

o dorso amargo de uma fruta que de tão madura estava quase podre

tipo uma vermelha e linda maça que por dentro é outra coisa

linha tênue do sabor e saber

em que se confunde o que presta do que não presta

questão de gosto e diferenciação

charada da vida

como ou não como!?

em que se via o antes agora e depois

expresso em palavras e símbolos talvez sem rumo e quase sem sentido aos profanos e neófitos

provocados ao entrar na nave Mãe

Deus é Pai!?

não mais de ferro seda cetim veludo e aço polido vestido

nem nos eternos pergaminhos amarelados

propagados pelas escrituras ditas sacras

mas construído no ar e espaço tempo deformado

para a viagem do mito & a dúvida dos horizontes

folha seca de bizarra flor negra

exposta a uma tempestade que se multiplica na memória

prorrogada até a última noite do dia da verdade

a um limiar interdito

no fim a fenda do salto quântico do nada

último sussurro e voz seguida ainda de uma outra e ainda de um eco

onde o verbo dissolve todos os elos

o abismo do buraco negro da anti-matéria

onde o prazer é risco de vida

açoitado pelo vento gélido

congelando as asas dos que vivem ziguezagueando no alto

pronunciando palavras aéreas

junto dos minúsculos demônios vermelhos e negros

avançando crescendo

movendo-se

com a precisão milimétrica dos minúsculos planetas

& depois

quebrando-se

perdidos & abismados fragmentos deléterios

emissários alados da morte

sentados no colo do poeta

eu vi o mar & sua serpente sépia & harpias & incubus & sucubus

também elementais que desafiam os pretensos conhecedores do bóson de Higgs

o fervor da pronúncia áspera das águas

de uma palavra que conduza os mortos para o outro mundo

a boca que a loucura gostaria de ter

mar revolto em que o último irmão foi engolido até o fundo abissal

arrastado pelos monstros e seres profundos

cansado de nada encontrar

tudo e nada que não fala tem uma segunda morte

a noite a chuva o dragão sarnento e vesgo

as más notícias que chegam com as águas e impressões oníricas chamadas de sonhos ou pesadelos

tudo com o que não é possível se conciliar nesta breve e efêmera existência

deito e acordo com a palavra na língua enrolada do meu sonho fúnebre

que me fará atravessar & sucumbir como a magra carcaça

do afogado em sua patética mudez tagarela

o poeta unge o acaso com a taça trincada vazia

a dor é a noiva das alegrias!

[atravessar oceanos de sangue enfrentar exércitos sozinho e descer aos infernos sem poder chorar ou implorar pela compreensão incompreensível da energia cósmica universal]

sábado, novembro 05, 2011



POEMIUM INDOMITUX


Cagus profanus vomitus bardus

Arruinadus estragus dus sansanus cerubrus

Consumadus ladus extremus februs desvirtuadus

Amus tus mus nus estus acostumadus

Convexus ladus labirintus inflamadus.

Nausius digestus estomacus

Sangrus lagrimus olhus

Armadurus esqueletus ossus quebrus pedaxus

Cum almus inflamus dormentus

Nux saciadus estus.


Sum verburus estandum

Negrum inux pelum verandum

Lexum horum isisinum nerfititiun langunum solum

Insanum

Esquizium

Lithium

Eum sus

Verbatium incomintum profanum argum palavrus

Perforium lastimus eternus

Façus pus causus dus versus dux amous

Rex

Nirvanus sedalex

Pour amour

Deju vu

Insensitus librus du um

Duvidus du escrivum

Lastimus ius ignorantium

Leponex antipsicoticum fux mentium

Abstratus reverberetium

Visius ex fronteirixus perceptium

Magrus parcelus infimus drogatium

Fux lentus barbarus philosophum estreitus

Labyrynthus sthygmus severus

Rerus animus perfeitus

Sux seum

Estarum aquix

Percebum geniux escribus latentus

Bebum vinum sangrum

Despertus intelectus poetium

Energius distortium ilusium

Fedus podrus merdus du caralius

Vux tomarx nus cus!!!@!??....

sexta-feira, novembro 04, 2011


"Não se preocupe em entender, viver ultrapassa qualquer entendimento."

Clarice Lispector

Despedida



Por mim, e por vós, e por mais aquilo
que está onde as outras coisas nunca estão,
deixo o mar bravo e o céu tranqüilo:
quero solidão.

Meu caminho é sem marcos nem paisagens.
E como o conheces? - me perguntarão.
- Por não ter palavras, por não ter imagens.
Nenhum inimigo e nenhum irmão.

Que procuras? Tudo. Que desejas? - Nada.
Viajo sozinha com o meu coração.
Não ando perdida, mas desencontrada.
Levo o meu rumo na minha mão.

A memória voou da minha fronte.
Voou meu amor, minha imaginação...
Talvez eu morra antes do horizonte.
Memória, amor e o resto onde estarão?

Deixo aqui meu corpo, entre o sol e a terra.
(Beijo-te, corpo meu, todo desilusão!
Estandarte triste de uma estranha guerra...)
Quero solidão.


Cecília Meireles



AS COISAS QUE NÃO SE VÊ


Tanto se sofre na morte

Como na ausência se sente:

Se a morte é ausência eterna,

A ausência é morte aparente.


Estive vivo sem viver,

pois a questão não consiste somente em respirar,

se locomover,

e um corpo habitar.



"A morte é passagem para a vida definitiva." (2 Coríntios, 4, 16-18 e 5, 1-10)

"



quinta-feira, novembro 03, 2011


NOVIII


A falta do que está

faltando, sem saber o que

falta nos deixam assim.



Deito querendo levantar,

durmo querendo acordar,

acordo querendo sorrir,

o que será de mim!?


Dias sem dormir,

sem ter com quem falar,

pensando no que escrever,

esperando o que há de vir,

sem nada para contar,

sem vida para viver.


quinta-feira, outubro 27, 2011


X*X%X@

Sempre denso vago devaneio,

longo espiral ali azul amarelado,

espio o sonho suspenso do mergulho surdo

da minha mão esquerda e sombra

num salto ao fim do abismo.

Até aonde você pode ir!?

Me indaga um sem luz;

até o fundo do poço,

onde renuncio ao intuito

de mais um beijo,

neste bosque desgraçado

que me consome aos poucos.


A alma chora, e cresce a dor

da transcendência que se não realiza...

triste, a escutar, pancada por pancada... TOC...TOC...

a sucessividade dos segundos... TIC-TAC....TIC-TAC...

Sim, é a vez!

Chegada é a hora!

Não por favor...

Aqui mora o ódio, e vil se nutre

magra inveja, negro abutre

esfomeado e tragador.

quarta-feira, outubro 26, 2011


Se te Queres Matar

Se te queres matar, por que não te queres matar?
Ah, aproveita! que eu, que tanto amo a morte e a vida,
Se ousasse matar-me, também me mataria...
Ah, se ousares, ousa!
De que te serve o quadro sucessivo das imagens externas
A que chamamos o mundo?
A cinematografia das horas representadas
Por atores de convenções e poses determinadas,
O circo policromo do nosso dinamismo sem fím?
De que te serve o teu mundo interior que desconheces?
Talvez, matando-te, o conheças finalmente...
Talvez, acabando, comeces...
E, de qualquer forma, se te cansa seres,
Ah, cansa-te nobremente,
E não cantes, como eu, a vida por bebedeira,
Não saúdes como eu a morte em literatura!

Fazes falta? Ó sombra fútil chamada gente!
Ninguém faz falta; não fazes falta a ninguém...
Sem ti correrá tudo sem ti.
Talvez seja pior para outros existires que matares-te...
Talvez peses mais durando, que deixando de durar...

A mágoa dos outros?... Tens remorso adiantado
De que te chorem?
Descansa: pouco te chorarão...
O impulso vital apaga as lágrimas pouco a pouco,
Quando não são de coisas nossas,
Quando são do que acontece aos outros, sobretudo a morte,
Porque é coisa depois da qual nada acontece aos outros...

Primeiro é a angústia, a surpresa da vinda
Do mistério e da falta da tua vida falada...
Depois o horror do caixão visível e material,
E os homens de preto que exercem a profissão de estar ali.
Depois a família a velar, inconsolável e contando anedotas,
Lamentando a pena de teres morrido,
E tu mera causa ocasional daquela carpidação,
Tu verdadeiramente morto, muito mais morto que calculas...
Muito mais morto aqui que calculas,
Mesmo que estejas muito mais vivo além...
Depois a trágica retirada para o jazigo ou a cova,
E depois o princípio da morte da tua memória.
Há primeiro em todos um alívio
Da tragédia um pouco maçadora de teres morrido...
Depois a conversa aligeira-se quotidianamente,
E a vida de todos os dias retoma o seu dia...

Depois, lentamente esqueceste.
Só és lembrado em duas datas, aniversariamente:
Quando faz anos que nasceste, quando faz anos que morreste.
Mais nada, mais nada, absolutamente mais nada.
Duas vezes no ano pensam em ti.
Duas vezes no ano suspiram por ti os que te amaram,
E uma ou outra vez suspiram se por acaso se fala em ti.

Encara-te a frio, e encara a frio o que somos...
Se queres matar-te, mata-te...
Não tenhas escrúpulos morais, receios de inteligência! ...
Que escrúpulos ou receios tem a mecânica da vida?

Que escrúpulos químicos tem o impulso que gera
As seivas, e a circulação do sangue, e o amor?

Que memória dos outros tem o ritmo alegre da vida?
Ah, pobre vaidade de carne e osso chamada homem.
Não vês que não tens importância absolutamente nenhuma?

És importante para ti, porque é a ti que te sentes.
És tudo para ti, porque para ti és o universo,
E o próprio universo e os outros
Satélites da tua subjetividade objetiva.
És importante para ti porque só tu és importante para ti.
E se és assim, ó mito, não serão os outros assim?

Tens, como Hamlet, o pavor do desconhecido?
Mas o que é conhecido? O que é que tu conheces,
Para que chames desconhecido a qualquer coisa em especial?

Tens, como Falstaff, o amor gorduroso da vida?
Se assim a amas materialmente, ama-a ainda mais materialmente,
Torna-te parte carnal da terra e das coisas!
Dispersa-te, sistema físico-químico
De células noturnamente conscientes
Pela noturna consciência da inconsciência dos corpos,
Pelo grande cobertor não-cobrindo-nada das aparências,
Pela relva e a erva da proliferação dos seres,
Pela névoa atômica das coisas,
Pelas paredes turbilhonantes
Do vácuo dinâmico do mundo...

Álvaro de Campos, in "Poemas"
Heterónimo de Fernando Pessoa

sexta-feira, outubro 21, 2011


SONHO MEU


Eu trago dentro da alma um sonho maltrapilho,

que vive a mendigar nas portas da ilusão...

estranho sonho morto sem alcançar brilho

e tendo por esquife o próprio coração!

Não é sonho, mas um fantasma em seu exílio, enchendo com suas lágrimas a minha solidão,

mendigo de carinho e luz que segue o trilho de uma cruel saudade, de uma atroz paixão.

Quantas vezes acontece deste sonho triste,

todo em prantos me inundar e com calor insiste,

que o liberte, afinal, em poemas de amor.

Outras vezes, porém, como poema dolorido-versos a arrebentar do coração ferido - meu pobre

sonho explode, em gritos e lágrimas de dor!!


segunda-feira, outubro 17, 2011


ELEGIA (VI-OCTO) ELODIA


6


Em ânsias me debato, em delírios me agito,

Imitando a solidão, insondável e muda,

No desejo da posse auscultando o infinito...


E demoro o olhar a percorrer o espaço

E o espaço, altivo, em chamas se transmuda

Para envolver sutilmente meu casto, gasto, corpo lasso.. .


Tortura-me o desejo das perdidas,

Das que trilham do vício os caminhos largos,

Das que fingem e são apetecidas...

Mas revolta-me o cerco destes muros,

Onde vivo escondido e torturado

Mostrando às outras pensamentos puros.


Envergonha-me a falsa castidade,

Amo, os ímpetos lúbricos, convulsos,

A alvorada da minha mocidade,

Os desejos insanos e propulsos...


Eu que trago na carne a sensação ardente,

Os impulsos de amor, impudicos, bestiais,

Eu que tenho a maldade, impura, da serpente,

E o fruto que tentou nossos primeiros pais...

Eu, que sinto no corpo um fogo incandescente,

Desejos de pecar, violentos e brutais,

Eu que vivo a sonhar arrebatadamente

Os beijos ardentes e sensuais...


Estes são versos que trabalhei à sombra do retiro,

Onde vivo remoendo as emoções que eu sinto,

Levai para o além o languido suspiro

Da mágoa e do pesar que agitam meu instinto.


6


Dois anos que valem vinte,

Sem repouso, sem sossego

Passei vagando entre os homens

Doido, enfebrecido e cego !

Dois anos a mesma imagem!

Dois anos o mesma ideal....

Dois anos por toda a parte

Ébrio de amor procurei-a!

Pelas ruas, pelas praças,

Pelos campos e desertos

Buscando essa esquiva sombra

Levei meus passos incertos!

Quantos lábios me sorriam !

Quanta beleza encontrei !

A quanto amor puro e casto

Voltei o rosto, — passei !

E no entanto pudera

Sem frenesi, sem loucura

Colher a flor perfumada

De modesta formosura

Parar na febril carreira,

Dizer : — basta, a vida é esta,

Quem foge o comum dos seres

Segue uma estrela funesta!


6


Sentimentos carnais, esses que agitam

Todo o teu ser e o tornam convulsivo...

Sentimentos indômitos que gritam

Na febre intensa de um desejo altivo.

Ânsias mortas, angústias que palpitam,

Vans dilacerações de um sonho esquivo,

Perdido, errante, pelos céus, que fitam

Do alto, nas almas, o tormento vivo.



Dor cruel, ó vã tortura !

Ó força inútil, ansiedade humana !

Ó círculos dantescos da loucura !

Ó luta, ó luta milenar, insana !


segunda-feira, outubro 03, 2011


POESIA

A poesia é algo vivo, é energia em movimento que não tem definição. É Beleza e Verdade, é Amor, é Vida; a Vida no seu permanente eterno deslumbre. A poesia é uma necessidade do ser humano, é a potencialização da linguagem, é a cristalização de sentimentos que dizem respeito a todas pessoas. A poesia compreende aspectos metafísicos (no sentido de sua imaterialidade) e da possibilidade de esses elementos transcenderem ao mundo fático, dito real.

Muitas são as formas de a expressar:

Pode-se ser poeta sem nunca ter escrito um poema,
pode-se ser poeta sem que se saiba,
pode-se ser poeta sem “poesia”,
pode-se ser poeta da vida, da dor, da morte, do vazio, de tudo e do nada.
Pode-se simplesmente não ser poeta, o que já é um modo de poesia.
Pode-se ser poeta sem saber escrever.
Pode-se ser poeta sem que se saiba o que é a poesia – alguém deveras sabe?...

Portinari já dizia: “ a poesia é a essência de todas as artes”.

Hoje em dia, mesmo no papel, a disposição das letras passou a ser diferente. Já não é preciso respeitar a linearidade, nem a formalidade da escrita. As cores, as formas e a disposição já não são importantes. O importante é o conteúdo. O livro não é mais a casa da poesia. Não me refiro aqui a busca da superação do verso como unidade rítmico-forma, característica da poesia concreta e tendo Ferreira Gullar e Paulo Leminski, na minha humilde opinião, como as principais referências. Camões ficaria chocado, mas hoje se fazem poemas que remetem à lógica de um vídeo game.
Um poema não é uma coisa que se coloca sobre o teu dia como um condimento sobre o teu almoço. A vida de uma pessoa não tem material semelhante a nada que conheças. Existir é feito de peças impossíveis de copiar.
Cabe lembrar Gonçalo M. Tavares, in 'A Perna Esquerda de Paris', onde diz que os homens não se medem pelos poemas que leram, mas talvez fosse melhor. O que é a fita métrica comparada com algo intenso? Há poemas que explicam trinta e três graus de uma vida e poemas que são um ofício de demolição completa: o edifício é trocado por outro, como se um edifício fosse uma camisa. Muda de vida ou, claro, muda de poema.
Não aprendi nos livros qualquer receita para a composição de um poema; e não deixarei impresso, nem sequer um conselho, modo ou estilo para que os novos poetas recebam de mim alguma gota de suposta sabedoria. Meu legado será umas poucas linhas tortas, rabiscadas numa folha de papel dos meus sujos cadernos. Durante a minha vida encontrei sempre em alguma parte a dor necessária, a fórmula que me aguardava, não para dar peso às palavras, mas para explicar a mim próprio.
Encontrei durante a longa caminhada, as doses necessárias para a formação do poema. Ali me foram dadas as contribuições da carne, da água, da terra, do ar, do fogo e da alma. E penso que a poesia é uma ação passageira ou solene em que entram em doses medidas a solidão e solidariedade, o sentimento e a ação, a intimidade da própria pessoa e a revelação secreta da Natureza. E penso com não menor fé que tudo se apoia - o homem e a sua sombra, o homem e a sua atitude, o homem e a sua poesia - numa comunidade cada vez mais extensa, complexa e globalizada, num exercício que integrará para sempre em nós a realidade e os sonhos, pois assim os une e confunde.
E digo igualmente que não sei, depois de tantos anos, se aquelas lições que recebi ao cruzar um rio vertiginoso tingido de vermelho sangue, ao dançar em torno de uma fogueira onde um crânio queimava e exalava odores pútridos e nauseabundos, ao molhar meus pés e lavar minhas mãos imundas na água purificadora das mais elevadas regiões, digo que não sei se aquilo saía de mim mesmo para se comunicar depois a muitos outros seres ou era a mensagem que os outros homens, em um outro plano dimensional me enviavam como exigência. Não sei se aquilo o vivi ou escrevi, não sei se foram verdade ou poesia, transição ou eternidade, os versos que experimentei naquele momento.
Neruda tinha razão, em dizer que o poeta deve aprender dos outros homens. Não há solidão inexpugnável. Todos os caminhos conduzem ao mesmo ponto: à comunicação do que somos. E é necessário atravessar a solidão e aspereza, a incomunicação e o silêncio para chegar ao recinto mágico em que podemos dançar com hesitação ou cantar com melancolia, mas nessa dança ou nessa canção acham-se consumados os mais antigos ritos da consciência; da consciência de serem homens e de acreditarem num destino comum.
O ato de criação é de natureza obscura; nele é impossível distinguir o que é da razão e o que é do instinto, o que é do mundo e o que é da terra. Nunca nenhum dualismo serviu bem o poeta. Esse «pastor do Ser», na tão bela expressão de Heidegger, é, como nenhum outro homem, nostálgico de uma antiga unidade. As mil e uma antinomias, tão escolarmente elaboradas, quando não pervertem a primordial fonte do desejo, pecam sempre por cindir a inteireza que é todo um homem. Não há vitória definitiva sem a reconciliação dos contrários. É no mar crepuscular e materno da memória, onde as águas «superiores» não foram ainda separadas das «inferiores», que as imagens do poeta sonham pela primeira vez com a precária e fugidia luz da terra.
Pessoa chegou a definir três tipos de poeta, conforme segue: O poeta superior diz o que efetivamente sente. O poeta médio diz o que decide sentir. O poeta inferior diz o que julga que deve sentir. Nada disto tem que ver com a sinceridade. Em primeiro lugar, ninguém sabe o que verdadeiramente sente: é possível sentirmos alívio com a morte de alguém querido, e julgar que estamos sentindo pena, porque é isso que se deve sentir nessas ocasiões. A maioria da gente sente convencionalmente, embora com a maior sinceridade humana; o que não sente é com qualquer espécie ou grau de sinceridade intelectual, e essa é que importa no poeta. Tanto assim é que não creio que haja, em toda a já longa história da Poesia, mais que uns quatro ou cinco poetas, que dissessem o que verdadeiramente, e não só efetivamente, sentiam. Há alguns, muito grandes, que nunca o disseram, que foram sempre incapazes de o dizer. Quando muito há, em certos poetas, momentos em que dizem o que sentem.
Quando um poeta inferior sente, sente sempre por caderno de encargos. Pode ser sincero na emoção: que importa, se o não é na poesia? Há poetas que atiram com o que sentem para o verso; nunca verificaram que o não sentiram. Chora Camões a perda da alma sua gentil; e afinal quem chora é Petrarca. Se Camões tivesse tido a emoção sinceramente sua, teria encontrado uma forma nova, palavras novas — tudo menos o soneto e o verso de dez sílabas. Mas não: usou o soneto em decassílabos como usaria luto na vida.
Diante do papel o poeta é uma longa e só hesitação. Que augúrios escuta, que enigmas decifra naquele rumor de sangue em que se debruça cheio de aflição? Porque ao princípio é o ritmo; um ritmo surdo, espesso, do coração ou do cosmos — quem sabe onde um começa e o outro acaba? Desprendidas de não sei que limbo, as primeiras sílabas surgem, trémulas, inseguras, tateando no escuro, como procurando um ténue, difícil amanhecer. Uma palavra de súbito brilha, e outra, e outra ainda. Como se umas às outras se chamassem, começam a aproximar-se, dóceis; o ritmo é o seu leito; ali se fundem num encontro nupcial, ou mal se tocam na troca de uma breve confidência, quando não se repelem, crispadas de ódio ou aversão, para regressarem à noite mais opaca. Uma música, sem nome ainda, começa a subir, qualquer coisa principia a tomar corpo e figura, a respirar, a movimentar-se, a afirmar a sua existência e a do poeta com ela, a erguerem-se ambos a uma comum transparência, até serem canto claro e fundo — voz do homem. Porque o poeta vai nascendo com o poema para a mais efémera das existências; são as palavras, a luz e o calor que de umas às outras se comunicam, que o vão por sua vez criando a ele, acabando por lhe impor a mais dura das leis — a de que se extinga para dar lugar à fulguração do poema, a de que deixe de ser para que o poema seja, e dure, e o seu fogo se comunique ao coração dos homens.
Na obra ' A Filosofia da Composição ', Edgar Poe expõe que a maior parte dos escritores, sobretudo os poetas, preferem deixar supor que compõem numa espécie de esplêndido frenesi, de extática intuição; literalmente, gelar-se-iam de terror à ideia de permitir ao público que desse uma olhadinha por detrás da cena para ver os trabalhosos e incertos partos do pensamento, as conturbadas tempestades cerebrais, os verdadeiros planos compreendidos só no último minuto, os inúmeros balbucios e regurgitações de ideias que não alcançaram a maturidade da plena luz, as imaginações plenamente amadurecidas e, no entanto, rejeitadas pelo desespero de as levar a cabo, as opções e as rejeições longamente ponderadas, as tão difíceis emendas e acréscimos, consistindo por vez em uma palavra ou qualquer outro elemento, tal qual uma vírgula ali, um acento lá, e qualquer ponto aqui.
Eça já dizia, que quando uma arte teima em exprimir unicamente um sentimento que se tornou secundário nas preocupações do homem — ela própria se torna secundária, pouco atendida e perde pouco a pouco a simpatia das inteligências. Por isso hoje, tão tenazmente, os editores se recusam a editar, e os leitores se recusam a ler, versos em que só se escreve de amor e de rosas. E o artista que não quer ser uma voz clamando no deserto e um papel apodrecendo na gaveta, começa a evitar o amor como tema essencial da sua obra. Temos uma coisa aparentemente paradoxal, muitos dizem que não há mercado para a poesia. Pois bem, me pergunto então, como isso é possível se ela invadiu os blogs, os sites? Como explicar que as pessoas se alimentem de música popular, uma forma de poesia? Como explicar o aumento do número de poetas? Até em número de publicações e revistas.
O tema que então passou a predominar no século XX foi a morte, a arte contemporânea passou a se alimentar da morte. Nesse sentido, penso que arte é vida, apesar de ser um diálogo com a morte. Portanto, deve-se fazer uma revisão do século XX. Foi um século fatal e mortal. Uma epistemologia do século XXI tem de superar os impasse do século passado. Esse amor pela Morte tem de ser convertido em Amor pela Vida.
A melhor espécie de poema de amor é, em geral, escrita a respeito de uma mulher abstrata. Uma grande emoção é por demais egoísta; absorve em si própria todo o sangue do espírito, e a congestão deixa as mãos demasiado frias para escrever. Segundo Fernando Pessoa, três espécies de emoções produzem grande poesia - emoções fortes, porém rápidas, captadas para a arte tão logo passaram; emoções fortes e profundas ao serem lembradas muito tempo depois; e emoções falsas, isto é, emoções sentidas no intelecto. Não a insinceridade, mas sim, uma sinceridade traduzida, é a base de toda a arte.
Quando o tempo vai nos comendo com o seu relâmpago quotidiano decisivo, as atitudes fundadas, as confianças, a fé cega se precipitam e a elevação do poeta tende a cair como o mais triste nácar cuspido, perguntamo-nos se já chegou a hora de envelhecermos. A hora dolorosa de ver como o homem se sustém a puro dente, a puras unhas, a puros interesses. E como entram na casa da poesia os dentes e as unhas e os ramos da feroz árvore do ódio. É o poder da idade, ou porventura, a inércia que faz retroceder as frutas no próprio bordo do coração, ou talvez o «artístico» se apodere do poeta e, em vez do canto salobro que as ondas profundas devem fazer saltar, vemos cada dia o miserável ser humano defendendo o seu miserável tesouro de pessoa preferida?
Aí, o tempo avança com cinza, com ar e com água! A pedra que o lodo e a angústia morderam, floresce com prontidão, com estrondo de mar, e a pequena rosa regressa ao seu delicado túmulo de corola.

O tempo lava e desenvolve, ordena e continua.

E o que fica então das pequenas podridões, das pequenas conspirações do silêncio, dos pequenos frios sujos da hostilidade? Nada, e na casa da poesia não permanece nada além do que foi escrito com sangue para ser escutado pelo sangue.
Conforme relata Jeremy Bentham, em 'Racionalidade da Recompensa', entre a poesia e a verdade existe uma natural oposição: falsa moral e natureza fictícia. O poeta sempre necessita de algo falso. Quando ele pretende fincar os seus fundamentos na verdade, o ornamento da sua superestrutura é feito de ficções; a sua ação consiste em estimular as nossas paixões e excitar os nossos preconceitos. A verdade, a exatidão de todo o tipo, é fatal à poesia. O poeta tem de olhar tudo através de meios coloridos e esforça-se a levar cada pessoa a fazer o mesmo. O poeta tem de abstrair, experimentar, transfigurar, transgredir e fugir da besta normalidade cotidiana, embora esta possa ser até uma inspiração para escrever um verso que outro, talvez um soneto, quem sabe!? A matéria-prima do poeta é a palavra e, assim como o escultor extrai a forma da pedra bruta, o escritor tem toda a liberdade para manipular as palavras, mesmo que isso implique romper com as normas tradicionais da gramática. Limitar a poética às tradições de uma língua é não reconhecer, também, a volatilidade das falas.
Sem Poesia não há Humanidade. É ela a mais profunda e a mais etérea manifestação da nossa alma. A intuição poética ou orfaica antecede, como fonte original, o conhecimento euclidiano ou científico. E nos dá o sentido mais perfeito e harmônico da vida. Aperfeiçoando o ser humano, afasta-o do antropóide e aproxima-o dos antropos. Que a mocidade atual, obcecada pela tecnologia, reduzida quase a uma pálida fotografia peculiar e uma espécie de máquina de fazer cliques em um teclado, despreza o seu aperfeiçoamento moral; e, com o seu fato de macaco, prefere regressar à Selva a regressar ao Paraíso. E assim, igualando-se aos bichos, mente ao seu destino, que é ser o coração e a consciência do Universo: o sagrado coração e o santo espírito. Eis o destino do homem, desde que se tornou consciente. E tornou-se consciente, porque tal acontecimento estava contido nas possibilidades da Natureza. Sim, a nossa consciência é a própria Natureza numa autocontemplação maravilhosa. Ou é o próprio Criador numa visão da sua obra, através do homem. E, vendo-a, desejou corrigi-la, transfigurando-se em Redentor. Teixeira de Pascoaes, in "A Saudade e o Saudosismo"
Pode-se dizer que toda a poesia parte das emoções experimentadas pelos seres humanos nas relações consigo próprios, uns com os outros, com entes divinos e com o mundo à sua volta; por isso, ocupa-se também do pensamento e da ação que a emoção provoca, e de que a emoção resulta. Todavia, por mais primitiva que seja a fase de expressão e de apreciação, a função da poesia nunca pode ser unicamente despertar estas mesmas emoções no auditório do poeta.
Na poesia mais primitiva, ou na fruição mais rudimentar da poesia, a atenção do ouvinte dirige-se para o assunto; o efeito da arte poética sente-se sem o ouvinte estar totalmente cônscio desta arte. Com o desenvolvimento da consciência da linguagem há outra fase em que o ouvinte, que pode nessa altura ter-se transformado no leitor, está consciente de um duplo interesse numa história por si própria e no modo como é contada: isto é, torna-se consciente do estilo. Então podemos sentir deleite na discriminação entre os modos como diferentes poetas tratarão o mesmo assunto; uma apreciação que não é simplesmente de melhor ou pior, mas de diferenças entre estilos que são igualmente admirados. Numa terceira fase de desenvolvimento, o assunto pode recuar para último plano: em vez de ser o propósito do poema, torna-se simplesmente um meio necessário para a realização do poema. Nessa fase, o leitor ou o ouvinte pode tornar-se quase tão indiferente ao assunto como o ouvinte primitivo era indiferente ao estilo. Uma completa inconsciência ou indiferença ao estilo no início ou ao assunto no fim levar-nos-ia, contudo, totalmente para fora dos limites da poesia: porque uma completa inconsciência de qualquer coisa exceto do assunto quereria dizer que, para esse ouvinte, a poesia ainda não aparecera; uma completa inconsciência de qualquer coisa excepto do estilo, quereria dizer que a poesia desaparecera. Thomas Stearn Eliot, in 'De Poe a Valéry' (Ensaio)
A alma do poeta exprime o natural sobrenaturalizado, isto é, dum modo original, porque a alma, oriunda de tudo, é senhora de tudo, independente. Sendo todas as coisas, é outra coisa. É todas as árvores e a Árvore. Quando se exalta e canta, num poeta, pode atingir a Divindade, vence o tempo e o espaço, as duas barreiras tenebrosas.
Não reclamo para mim qualquer privilégio de solidão: só a tive quando me impuseram como condição terrível da minha vida. Nem a solidão nem a sociedade podem alterar os requisitos do poeta, e os que se reclamam de uma ou de outra exclusivamente falseiam a sua condição de abelhas que constroem há séculos a mesma célula fragrante, com o mesmo alimento de que o coração humano necessita. Mas não condeno os poetas da solidão nem os alto-falantes do grito coletivo: o silêncio, o som, a separação e integração dos homens, todo este material para que as sílabas da poesia se juntem, precipitando a combustão de um fogo indelével, de uma comunicação inerente, de uma herança sagrada que há milhares de anos se traduz na palavra e se eleva no canto. O artista, o poeta, o escritor, os que perguntam: todos são caçadores de simulacros, incansáveis calculadores de improbabilidades. Pombas ou abutres, frágeis canários ou escondidos melros, raspam, rasgam, rompem, sempre roendo as suas próprias garras. O invisível que há neles então emerge.
Sim, o que é o próprio homem senão um cego inseto inane a zumbir (?) contra uma janela fechada; instintivamente sente para além do vidro uma grande luz e calor. Mas é cego e não pode vê-la; nem pode ver que algo se interpõe entre ele e a luz. De modo que preguiçosamente (?) se esforça por se aproximar dela. Pode afastar-se da luz, mas não pode ir além do vidro. Como o ajudará a Ciência? Pode descobrir a aspereza e nodosidade próprias do vidro, pode chegar a conhecer que aqui é mais espesso, ali mais fino, aqui mais grosseiro, ali mais delicado: com tudo isto, amável filósofo, quão mais perto está da luz? Quão mais perto alcança ver? E contudo, acredito que o homem de gênio, o poeta, de algum modo consegue atravessar o vidro para a luz do outro lado; sente calor e alegria por estar tão mais além de todos os homens (?), mas mesmo assim não continuará ele cego? Está ele um pouco mais perto de conhecer a Verdade eterna?
O pai da psicanálise Sigmund Freud, in 'As Palavras de Freud', assim disse: “ Os poetas e os romancistas são aliados preciosos, e o seu testemunho merece a mais alta consideração, porque eles conhecem, entre o céu e a terra, muitas coisas que a nossa sabedoria escolar nem sequer sonha ainda. São, no conhecimento da alma, nossos mestres, que somos homens vulgares, pois bebem de fontes que não se tornaram ainda acessíveis à ciência.”
Os poetas, na medida em que também querem tornar mais leve a vida das pessoas, ou desviam o olhar do trabalhoso presente ou ajudam o presente a adquirir novas cores, graças a uma luz vinda do passado que fazem irradiar sobre ele. Para poderem fazê-lo, têm eles próprios de ser, em muitos aspectos, seres voltados para trás: de maneira que se os pode utilizar como pontes para chegar a tempos e concepções muito distantes, a religiões e civilizações em vias de extinção ou já extintas. (...) É certo que há algumas coisas desfavoráveis a dizer quanto aos meios de que eles se servem para aligeirar a vida: apenas sossegam e curam provisoriamente, só de momento; até impedem as pessoas de trabalhar na realidade por uma melhoria da sua situação, precisamente enquanto suprimem e descarregam, por meio de paliativos, a paixão dos insatisfeitos, que incitam à ação.
O poeta não é um «pequeno Deus». Não, não é um «pequeno Deus». Não está marcado por um destino cabalístico superior ao de quem exerce outros misteres e ofícios. Exprimi amiúde que o melhor poeta é o homem que nos entrega o pão de cada dia: o padeiro mais próximo, que não se julga Deus. Cumpre a sua majestosa e humilde tarefa de amassar, assar e entregar o pão de cada dia, com uma obrigação comunitária. E se o poeta chega a atingir essa simples consciência, a simples consciência também se pode converter em parte de uma artesania colossal, de uma construção simples ou complicada, que é a construção da sociedade, a transformação das condições que rodeiam o homem, a entrega da mercadoria: pão, verdade, vinho, sonhos. Se o poeta se incorpora nessa nunca consumida luta para cada um confiar nas mãos dos outros a sua ração de compromisso, a sua dedicação e a sua ternura pelo trabalho comum de cada dia e de todos os homens, participa no suor, no pão, no vinho, no sonho de toda a humanidade. Só por esse caminho inalienável de sermos homens comuns conseguiremos restituir à poesia o vasto espaço que lhe vão abrindo em cada época, que lhe vamos abrindo em cada época nós próprios.


Poeta
Poeta, a construíres sonhos contraditórios!
Tu tens na vida uns ideais burgueses
Que não te satisfazem!

Poeta, tu desejas
Misérias e reveses
Que te façam cantar.
E amas o conforto,
E gostas de jantar!...

Poeta, sempre em luta vã contigo,
— Que sofres de já ser aquilo que não és,
Que sofres de não ser aquilo que queres ser...

Poeta, é já bem grande o teu castigo.
É preciso viver.

Francisco Bugalho, in "Canções de Entre Céu e Terra"


Os Poetas
Nunca os vistes
Sentados nos cafés que há na cidade,
Um livro aberto sobre a mesa e tristes,
Incógnitos, sem ouro e sem idade?

Com magros dedos, coroando a fronte,
Sugerem o nostálgico sentido
De quem rasgasse um pouco de horizonte
Proibido...

Fingem de reis da Terra e do Oceano
(E filhos são legítimos do vício!)
Tudo o que neles nos pareça humano
É fogo de artifício.

Por vezes, fecham-lhes as portas
— Ódio que a nada se resume —
Voltam, depois, a horas mortas,
Sem um queixume.

E mostram sempre novos laivos
De poesia em seu olhar...

Adolescentes! Afastai-vos
Quando algum deles vos fitar!

Pedro Homem de Mello, in "O Rapaz da Camisola Verde"

"Um poeta é um mundo encerrado num homem." Autor - , Victor

"Para o poeta a maior tragédia é se o admiram porque não o entendem." Autor - Cocteau , Jean

"O poeta é como o príncipe das nuvens. As suas asas de gigante não o deixam caminhar." Autor - Baudelaire , Charles

"O poeta lembra-se do futuro." Fonte - Diário de um Desconhecido Autor - Cocteau , Jean

"O que distingue um grande poeta é o facto dele nos dizer algo que ninguém ainda disse, mas que não é novo para nós." Autor - Ortega y Gasset , José

"Talvez ninguém possa ser poeta, ou mesmo apreciar a poesia, sem uma certa perversão da mente." Fonte - Literary Essays Autor - Macaulay , Thomas

"Todos os poetas são loucos." Fonte - Anatomy of Melancholy Autor - Burton , Robert

"Os camaleões alimentam-se de luz e de água: / O alimento dos poetas é o amor e a fama." Fonte - An Exhortation Autor - Shelley , Percy

"Para que haja grandes poetas é preciso que haja também um grande público." Fonte - Notes Left Over Autor - Whitman , Walt

"O santo poeta deve ser casto, / quanto aos versos, não é necessário que o sejam." Fonte - Poesias Autor - Catulo , Caio

"O poeta não exagera profundamente, mas amplamente." Fonte - Resignation Autor - Arnold , Matthew

"Não se pode dizer que o poeta persiga a verdade, visto que a cria." Autor - Ortega y Gasset , José

"Diante de um grande poeta, tem-se a sensação de que as coisas que permaneceram escondidas no caos emergem." Fonte - Diários Autor - Hebbel , Christian

"O único defeito imperdoável de um poeta trágico é o de nos deixar frios." Autor - Lessing , Gotthold

"Os poetas têm de ser pessoas médias, nem deuses, nem vendedores de livros." Autor - Horácio

"Os poetas odeiam o ódio e fazem guerra à guerra." Autor - Neruda , Pablo

"Muito antes é poeta aquele que inspira do que aquele que é inspirado." Autor - Éluard , Paul

"A vida de um poeta é como uma flauta na qual Deus entoa sempre melodias novas." Autor - Tagore , Rabindranath

"O amor do poeta é maior que o de nenhum homem; porque é imenso, como o ideal, que ele compreende, eterno, como o seu nome, que nunca perece." Autor - Herculano , Alexandre

"Os poetas são impudicos para com as suas vivências: exploram-nas." Fonte - Para Além do Bem e do Mal - Autor - Nietzsche , Friedrich

"O poeta nunca está inteiramente absorto nos seus pensamentos. O técnico está sempre." Autor - Addison , Joseph

"Os poetas ajudam-nos a amar: só servem para isso." Fonte - O Jardim de Epicuro Autor - France , Anatole

"Se o poeta fosse casto nos seus costumes, os seus versos também o seriam. A pena é a língua da alma: como forem os conceitos que nela se conceberem, assim serão os seus escritos." Fonte - Dom Quixote Autor - Cervantes , Miguel

"Para um poeta nada pode ser inútil." Fonte - Rasselas Autor - Johnson , Samuel

"Nós, poetas, na nossa mocidade começamos com alegria, / Mas daí passamos finalmente ao desalento e à loucura." Fonte - Resolução e Independência Autor - Wordsworth , William

"Em cada homem de talento existe, escondido, um poeta; ele manifesta-se no escrever, no ler, no falar ou no ouvir." Fonte - Aforismos Autor - Eschenbach , Marie

"O verdadeiro poeta é aquele que encontra a ideia enquanto forja o verso." Fonte - Preliminares à Estética - Autor - Alain

"O grande poeta existe para mostrar ao homem pequeno o quanto ele é grande." Fonte - Chaucer Autor - Chesterton , Gilbert

"O poeta é um fingidor. / Finge tão completamente / Que chega a fingir que é dor / A dor que deveras sente." Fonte – Cancioneiro - Autor - Pessoa , Fernando

"O poeta é uma mentira que diz sempre a verdade." Fonte - Segredos de Beleza Autor - Cocteau , Jean

"O poeta deve ser um professor de esperança." Fonte - A Água Viva Autor - Giono , Jean

"O poeta não deve crer nos anjos, mas nas palavras que os criam." Fonte - Confissões de um Poeta Autor - Ivo , Lêdo

"O poeta pode contar ou cantar as coisas, não como foram mas como deviam ser; e o historiador há-de escrevê-las, não como deviam ser e sim como foram, sem acrescentar ou tirar nada à verdade." Fonte - Dom Quixote Autor - Cervantes , Miguel

"O poeta goza deste privilégio incomparável: pode a seu capricho ser o mesmo e ser outro." Autor - Baudelaire , Charles

"Sou um poeta frustrado. Talvez o desejo de todos os romancistas seja ser poeta." Autor - Faulkner , William

"Não é poeta aquele que não tenha sentido a tentação de destruir ou criar outra linguagem." Autor - Paz , Octavio

"O trabalho de um poeta é nomear o inominável, assinalar as fraudes, tomar posições, iniciar discussões, dar forma ao mundo e detê-lo ao deitar-se." Autor - Rushdie , Salman

"O poeta é incapaz de conter um segredo, acaba sempre por dizer no poema aquilo que queria guardar só para si." Fonte - Rosto Precário - Autor - Andrade , Eugénio

"Foi sempre pelos olhos dos nossos poetas que o português viu mais longe e mais fundo." Fonte - Rosto Precário - Autor - Andrade , Eugénio

"A infância, no poeta, jamais se extingue. Talvez por isso eles sejam tão vulneráveis, os poetas." Fonte - Rosto Precário - Autor - Andrade , Eugénio

"É possível que só as árvores tenham raízes, mas o poeta sempre se alimentou de utopias. Deixe-me pois pensar que o homem ainda tem possibilidades de se tornar humano." Fonte - Rosto Precário Autor - Andrade , Eugénio

"Ser poeta também é isso, essa inabilidade para o mundo do lucro e da usura." Fonte - Rosto Precário - Autor - Andrade , Eugénio

"O mundo é conduzido por loucos e ambiciosos, que só têm em mira o êxito e o lucro, estão-se nas tintas para as preocupações dos poetas, que são, como toda a gente sabe, seres da utopia, essa utopia sem a qual não há progresso." Fonte - Rosto Precário - Autor - Andrade , Eugénio

"A sabedoria do poeta é uma segunda inocência." Fonte - Rosto Precário - Autor - Andrade , Eugénio

"O que é um poeta, afinal? Uma intacta opressão da alma." Autor - Bessa-Luís , Agustina

"Se há alguém que não se interessa pelos poetas, são as mulheres. As paixões que as palavras desencadeiam, isso as mulheres recebem no código que a poesia contém." Autor - Bessa-Luís , Agustina

"O poeta vê no mentiroso o irmão de leite a quem roubou o seu leite; de maneira que este irmão ficou miserável e nem sequer pôde chegar a ter uma boa consciência." Fonte - A Gaia Ciência - Autor - Nietzsche , Friedrich


"Um grande poeta não é uma construção de acaso, feita de blocos discordantes; a missão do crítico não está em inventar falhas que não existem, mas em encontrar o nexo íntimo, a espiritual cadeia de vértebras que liga e sustenta todas as fases, todas as produções da sua vida. Depois, é sempre de bom conselho verificar se as manchas da preparação se não encontram nas lentes do microscópio." Fonte – Glossas - Autor - Silva , Agostinho

"O mundo acaba sempre por fazer o que sonharam os poetas." Fonte - Conversação com Diotima Autor - Silva , Agostinho

"Poeta é todo aquele que cria." Fonte - Entrevista - Autor - Silva , Agostinho

"Eu sou apenas poetisa: poetisa nos versos e miseravelmente na vida, por mal dos meus pecados. Não sei fazer mais nada a não ser versos; pensar em verso e sentir em verso. Predestinações..." Fonte - Correspondência (1930) - Autor - Espanca , Florbela

"Hoje declarei em casa de uns amigos que a maior prova de amor que um poeta pode dar a uma mulher é a sua intimidade. Escrever versos diante dela é qualquer coisa como parir com um Cristo à cabeceira da cama." Fonte - Diário (1936) Autor - Torga , Miguel

"O poeta não será mais que memória fundida nas memórias, para que um adolescente possa dizer-nos que tem em si todos os sonhos do mundo, como se ter sonhos e declará-lo fosse primeira invenção sua. Há razões para pensar que a língua é, toda ela, obra de poesia." Fonte - Diário de Notícias (2009) Autor - Saramago , José