quarta-feira, junho 09, 2010


JUNEX

Repousa a cidade envolta em manto escuro.
Messalina febril, exausto o seio impuro,
Tombou por sobre o leito, hedionda, escalavrada.

Neste momento são três horas da madrugada.

A noite é fria; o céu é baço.
Os montes vão vestindo as armaduras de aço.

Silêncio sepulcral! Mudez que não se exprime!

É o silêncio que segue as convulsões de um crime.
O silêncio tem voz; a noite tem olhar.

Há sonhos pela terra, há sonhos pelo ar.
A noite do remorso anda espreitando a vida

Pela porta da alma; e a alma espavorida

Vacila, quer fugir, tem medo, está confusa

O infinito esmaga; a solidão acusa...

Dormir, não pode ser; a alma nesse instante

É como um olho aberto, imóvel, flamejante,

A quem alguém cortasse a pálpebra sombria.

Escuta pelo ar uma risada fria...
Vê gênios infernais, ocultos no arvoredo,

Que estão falando dela e rindo-se em segredo...

Vê olhos a fitá-la, ardentes como brasas,

E monstros que ao passar vão sacudindo as asas...

Fica febricitante, alucinada, exangue,

Vai beber na fonte, ei-la mudada em sangue.

Passa por uma ruim; exausta de canseira.

De uma pedra sai-lhe uma caveira!
Apavorada, foge pelas montanhas,
E põe-se a cantar alto umas canções estranhas,

Grotescas, doidas, alucinadas,

Como alguém que tem medo ao ir pelas estradas...

Mas tudo, tudo em vão! Não pára, não descansa!

É pantera que leva o ferro pontiagudo duma lança
Cravada no peito; estorce-se, procura

Um refúgio, um atalho, uma caverna escura,

Mas sempre adiante dela a caçadora feroz,

Aquela dentro de cada um de nós,

A Consciência!... Cai; fica a tremer de susto;

O canto duma ave, a sombra de um arbusto,
O murmúrio do mar, o soluçar do vento,

Um eco, um som, a noite, a luz, o pensamento,

Tudo lhe causa medo! É como a criancinha

Que derpertou na treva e que se viu sozinha.

Mergulham no infinito as espirais dos sonhos!

Passam-lhe pelo corpo uns arrepios medonhos...

Quer dormir, quer morrer! Atira-se aos abismos;

Tomba, esperneia e se debate em doidos paroxismos,

Vai descendo, descendo... o imenso não tem fundo...

De quando em quando, encontra um grão de areia -

- um mundo,
E quanto mais mergulha, despenca e desce,

Mais aumenta o pavor, mais a distância cresce!
O nada não existe! Horror, horror sublime!

Não pode descansar o coração do crime!

Diz ela: Não poder em toda a eternidade

Aniquilar-me um dia! O espírito, a vontade,

Nunca poder dormir... Sempre com a mente alerta!
A memória! A memória, essa janela aberta,
Por onde a alma vê todo o passado escuro!

Fugir? Mas para onde? A sombra do futuro
É mar que não tem praia, é noite sem guarida!...

Morrer! Para que serve! A morte é o prólogo da vida!