domingo, junho 27, 2010


Requiem Aeternam Dona Eis

Respeito a tua íntima e triste solidão,
porque sei o quanto ela dói.
Queremos apenas o repouso eterno.
Muitos, muitas são aquelas pessoas que batem à porta,
mas não sabem o que procurar lá dentro.
Nós achamos lastimáveis e elas são pobres,
nós achamos solitária, deplorável e elas são vazias.
Respeito tua angústia e teu medo,
pela manhã seguinte
e pelo abandono que ela pode traduzir.
Mas é bom que se saiba,
é bom que se aprenda
que de fato estaremos sempre sós.
Respeito tuas buscas,
este tatear com mãos e corpo,
este desejo de se dar mais do que as pessoas precisam
porque embora tenham fome,
nem de longe supõem como saciá-la.
Respeito teu olhar
perdido na noite,
sabe lá Deus ou o Diabo em busca do que ou quem.
E este tempo que passa
e traduz cada vez mais a incerteza
de num momento qualquer encontrar um porto seguro,
um lugar pessoa onde ficar.
Respeito teu corpo.
Mesmo no momento que está sobre ou embaixo do meu
e que pensamos que talvez aquilo seja o fim,
que imaginamos em nossa ilusão que talvez aquilo seja amor,
que façamos de nossas mazelas
uma forma de encontro.
Respeito tuas mãos estendidas
como se fossem pontes
que ligam homem-mulher.
Como se traduzissem
uma relação íntima sem o prazer mais feroz.
Respeito teus sonhos.
Este emaranhado
de pessoa-menina-mulher,
esta indefinição
que faz parte de nossa condição infinita
e que os humanos, tão paupérrimos,
interpretam como algo vulgar.
Respeito tua pessoa e tuas palavras.
Que tentam sempre ser mais
do que sons apenas
mas que ficam perdidas
diante de ouvidos tão insensíveis e pobres.
Respeito tua sede.
Oriunda de algum lugar,
de algum tempo
onde não podemos ir
enquanto estamos brincando de ser seres humanos.
Respeito teu silêncio.
Momento único
onde pode chegar, de fato,
mais perto de você.
Respeito teu prazer.
Expressão única
que leva à porta do céu
por onde minha alma as vezes vaga.
E à janela do inferno
por onde juntos encontramos
o calor supostamente oriundo do desejo.
Tu és olhares,
tu és palavras,
tu és sentimentos,
choro, gemidos,
amor e ódio,
prazer e desencanto.
Não temas ser!
De fato não somos
mais do que isso.
E o que nos atormenta
não é a vida.
Antes, é a sua negação.
Não somos piores,
nem melhores.
Somos apenas reais.

quinta-feira, junho 24, 2010


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"Eu gosto dos venenos mais lentos, dos cafés mais amargos, das bebidas mais fortes. Eu tenho as delícias mais soltas e os gestos mais loucos que há. E você pode até me atirar de um precipício, eu não me importo, adoro voar."

Charles Spencer Chaplin Jr.

terça-feira, junho 22, 2010


Vai rindo...

Quem ri da nossa fragilidade
não conhece nossa riqueza.
Há mundos onde a força não penetra e outros onde não há felicidade,
lugares estranhos, onde mais vale a vã pobreza.
Bem aventurança ou não,
a vida plena se guarda distante da violência,
e nem tudo cabe na palma da mão.
Dentro de cada intenção há vontade de acertar;
a mão que bate é a mesma que acaricia,
a mesma que de dia constrói a fraternidade e faz a guerra
e a noite visita a intimidade de um corpo febril por prazer.
Não somos partes. Somos um Nada e um Todo.
Quem ri de nossas fraquezas,
por detrás do riso oculta o medo da vida e de chafurdar no lôdo.
Não sabe que os sonhos são feitos de algodão doce e das mais diversas belezas.
Pobre da virilidade daqueles que tentam se ocultar na amargura.
As regras criadas só podem prender;
a felicidade só brota no ser livre.
Bêbados, lunáticos e drogados também são anjos;
talvez filhos escuros de um pai claro,
raios de sol retidos por janelas de um sem porquê.
Quem se esquece que as janelas podem e devem ser abertas
vive na mesmice da coisa estática, parada ou sei lá o quê;
anseia pelo belo pronto que não é o belo próprio.
Tudo sabem de borboletas
mas nada entendem de lagartas.
A vida é um breve momento
feito de outros momentos.
Quem ri da sarjeta não sabe onde tem os pés,
não entende que a vida é um eterno caminhar.
Supõe que pisa e sempre pisará nas estrelas.
Tem calos e bolhas obtidos pelo uso dos sapatos que protegem.
Simbólicos elmos que o mantém distante da dor,
mas também excluí toda possibilidade de pleno prazer.
Neste mundo abaixo do sol,
quem sabe realmente para onde vai?
São saudáveis os ditos insanos.
Pela indiferença a tudo, caberá a estes herdar a terra.
Quem ri dos insanos tem medo dos espelhos,
assassina minuto por minuto seu próprio ridículo
e acorda, após o suposto crime perfeito, mais ridículo ainda.
Acordar não é despertar.
Muitos acordados ainda dormem.
Quem ri da fome nunca se sacia.
Quem ri da nossa simplicidade
não conhece nossa riqueza.
Conhece, lamentavelmente, apenas
aquilo que se pode pegar e ter com as mãos.

sábado, junho 19, 2010


A Lucidez Perigosa


Estou sentindo uma clareza tão grande
que me anula como pessoa atual e comum:
é uma lucidez vazia, como explicar?
assim como um cálculo matemático perfeito
do qual, no entanto, não se precise.

Estou por assim dizer
vendo claramente o vazio.
E nem entendo aquilo que entendo:
pois estou infinitamente maior que eu mesma, e não me alcanço.
Além do que:que faço dessa lucidez?
Sei também que esta minha lucidez
pode-se tornar o inferno humano
- já me aconteceu antes.

Pois sei que
- em termos de nossa diária
e permanente acomodação
resignada à irrealidade -
essa clareza de realidade
é um risco.

Apagai, pois, minha flama, Deus,
porque ela não me serve
para viver os dias.
Ajudai-me a de novo consistir
dos modos possíveis.
Eu consisto,
eu consisto,
amém.

Clarice Lispector



Poema à boca fechada



Não direi:

Que o silêncio me sufoca e amordaça.
Calado estou, calado ficarei,
Pois que a língua que falo é de outra raça.

Palavras consumidas se acumulam,

Se represam, cisterna de águas mortas,
Ácidas mágoas em limos transformadas,
Vaza de fundo em que há raízes tortas.

Não direi:

Que nem sequer o esforço de as dizer merecem,
Palavras que não digam quanto sei
Neste retiro em que me não conhecem.

Nem só lodos se arrastam, nem só lamas,

Nem só animais bóiam, mortos, medos,
Túrgidos frutos em cachos se entrelaçam
No negro poço de onde sobem dedos.

Só direi,

Crispadamente recolhido e mudo,
Que quem se cala quando me calei
Não poderá morrer sem dizer tudo.


JOSÉ SARAMAGO, In "OS POEMAS POSSÍVEIS"

Não me Peçam Razões...

Não me peçam razões, que não as tenho,
Ou darei quantas queiram: bem sabemos
Que razões são palavras, todas nascem
Da mansa hipocrisia que aprendemos.

Não me peçam razões por que se entenda
A força de maré que me enche o peito,
Este estar mal no mundo e nesta lei:
Não fiz a lei e o mundo não aceito.

Não me peçam razões, ou que as desculpe,
Deste modo de amar e destruir:
Quando a noite é de mais é que amanhece
A cor de primavera que há-de vir.

José Saramago, in "Os Poemas Possíveis"


"Deus, o diabo, o bom, o ruim, tudo está na nossa cabeça, não no céu ou no inferno, que também inventamos."

José Saramago

quarta-feira, junho 16, 2010



"Deus escolheu as coisas loucas deste mundo para confundir as sábias; e escolheu pessoas diferentes e aparentemente desprovidas de valores para a realização de uma obra sobrenatural."

(1 Cor. 1:23-29)

"E se não choras, do que costumas chorar? "

Dante Alighieri - " Inferno "


"Quem és tu que queres julgar, / com vista que só alcança um palmo, / coisas que estão a mil milhas ?"

Dante Alighieri - " Paraíso "

"Quanto maior é a sede, maior é o prazer em satisfazê-la."

Dante Alighieri - " Purgatório "

terça-feira, junho 15, 2010


MALUCO BELEZA

Ser maluco beleza, é a maior aventura!
Morrer vivendo para além da verdade.
É tão feliz quem goza tal loucura
Que nem mesmo na morte crê, que felicidade!

Enfrenta, sorrindo, a vida que o tortura,
Sem ver na esmola, a falsa caridade,
Que bem no fundo é só vaidade pura,
Se acaso houver pureza na vaidade.

Já que não tenho, tal como preciso,
A felicidade que esse louco tem
De ver no purgatório um paraíso...

Direi, ao contemplar o seu sorriso,
Ai quem me dera ser doido também
Para suportar melhor quem tem juízo.

Este tipo de loucura
Que é pouco chamar talento
E que brilha em mim, na escura
Confusão do pensamento,

Não me traz felicidade;
Porque, enfim, sempre haverá
Sol ou sombra na cidade.
Mas em mim não sei o que há!?



Ora Até que Enfim

Ora até que enfim..., perfeitamente...
Cá está ela!
Tenho a loucura exatamente na cabeça.
Meu coração estourou como uma bomba de pataco,
E a minha cabeça teve o sobressalto pela espinha acima...

Graças a Deus que estou doido!
Que tudo quanto dei me voltou em lixo,
E, como cuspo atirado ao vento,
Me dispersou pela cara livre!
Que tudo quanto fui se me atou aos pés,
Como a sarapilheira para embrulhar coisa nenhuma!
Que tudo quanto pensei me faz cócegas na garganta
E me quer fazer vomitar sem eu ter comido nada!

Graças a Deus, porque, como na bebedeira,
Isto é uma solução.
Arre, encontrei uma solução, e foi preciso o estômago!
Encontrei uma verdade, senti-a com os intestinos!

Poesia transcendental, já a fiz também!
Grandes raptos líricos, também já por cá passaram!
A organização de poemas relativos à vastidão de cada assunto resolvido em vários —
Também não é novidade.
Tenho vontade de vomitar, e de me vomitar a mim...
Tenho uma náusea que, se pudesse comer o universo para o despejar na pia, comia-o.
Com esforço, mas era para bom fim.
Ao menos era para um fim.
E assim como sou não tenho nem fim nem vida...

Álvaro de Campos, in "Poemas"
Heterônimo de Fernando Pessoa



Demasiada Loucura é o Mais Divino Juízo


Demasiada Loucura é o mais divino Juízo -
Para um Olhar criterioso -
Demasiado Juízo - a mais severa Loucura -
É a Maioria que
Nisto, como em Tudo, prevalece -
Consente - e és são -
Objecta - és perigoso de imediato -
E acorrentado -

Emily Dickinson, in "Poemas e Cartas"


"Afinal, quem é que tem a pretensão de não ser louca?... Loucos somos todos, e livre-me Deus dos verdadeiros ajuizados, que esses são piores que o diabo!"

Florbela Espanca - " Correspondência (1916) "



"A loucura, longe de ser uma anomalia, é a condição normal humana. Não ter consciência dela, e ela não ser grande, é ser homem normal. Não ter consciência dela e ela ser grande, é ser louco. Ter consciência dela e ela ser pequena é ser desiludido. Ter consciência dela e ela ser grande é ser gênio."

Fernando Pessoa


"A loucura segue-nos em todos os momentos da nossa vida. Se alguns parecem sábios, é apenas porque as suas loucuras são proporcionais à sua idade e à sua fortuna."

François La Rochefoucauld - " Máximas "


"Um louco jamais faz senão realizar à sua maneira a condição humana."

Jean-Paul Sartre -
" O Ser e o Nada"


"A verdadeira loucura talvez não seja mais do que a própria sabedoria que, cansada de descobrir as vergonhas do mundo, tomou a inteligente resolução de enlouquecer."

Heinrich Heine



"As únicas pessoas que me agradam são as que estão loucas: loucas por viver, loucas por falar, loucas por salvarem-se."

Jack Kerouac


"Creio que quase sempre é preciso um golpe de loucura para se construir um destino."

Marguerite Yourcenar



"A minha única diferença em relação a um homem louco é que eu não sou louco!"

Salvador Dalí



"Vocês sabem o que significa encontrar-se diante de um louco? Encontrar-se diante de alguém que sacode dos alicerces tudo o que vocês construíram dentro de si, em torno de si, a lógica, a lógica de todas as suas construções!"

Luigi Pirandello - "Enrico IV"


"Conheço a loucura dos séculos, a loucura dos crimes e da lassidão, mas a loucura do bem existe, deve acontecer."

Mikhailo Orest - "A Arma e o Destino"


"Os grandes espíritos são seguramente aliados da loucura, separam-nos finas paredes."


John Dryden - "Absalom and Achitophel"


"Não é o medo da loucura que nos forçará a largar a bandeira da imaginação."

André Breton


"Há sempre alguma loucura no amor. Mas há sempre um pouco de razão na loucura."

Friedrich Niestzche - " Assim falava Zaratrusta "


"Para tornar a realidade suportável, todos temos de cultivar em nós certas pequenas loucuras."

Marcel Proust

segunda-feira, junho 14, 2010



"A psicologia nunca poderá dizer a verdade sobre a loucura, pois é a loucura que detém a verdade da psicologia."

Michel Foucalt - "Maladie Mentale et Psychologie"


"Se me apetece rir de um louco, não preciso ir procurar muito longe; rio de mim mesmo."

Séneca

"Todos têm o seu método tal como todos têm a sua loucura; mas só consideramos sensato aquele cuja loucura coincide com a da maioria."

Miguel Unamuno - " Ensaios "

"Se o louco persistisse na sua loucura, ele se tornaria sábio."

Willian Blake



"O ser humano não se torna iluminado ao imaginar figuras de luz, mas ao conscientizar-se da escuridão."

Carl Gustav Jung

sexta-feira, junho 11, 2010


"A pessoa que "comeu" a própria sombra difunde a calma e mostra mais tristeza que
raiva. Se os antigos estavam certos ao dizer que as trevas contêm inteligência, e até mesmo
informações, a pessoa que "comeu" uma parte de sua sombra tem mais energia e também é mais inteligente."

Robert Bly

"Por detrás da escuridão reprimida e da sombra pessoal — aquilo que foi decomposto e está se
decompondo, e aquilo que ainda não existe mas está germinando — existe a sombra arquetípica,
o princípio do não-ser, que foi chamado e descrito como o Demônio, o Mal, o Pecado Original,
a Morte, o Nada."
James Hillman

"A maldade humana reside no fundo das nossas entranhas... O prazer carnal é a principal
tentação que o diabo usa para atrair o ego aos abismos do inferno. Contra essa catástrofe, o ego
aterrorizado tenta manter o controle do corpo a qualquer preço. A consciência, associada ao ego,
opõe-se ao inconsciente ou ao corpo enquanto repositório das forças da sombra."

Alexander Lowen



"Onde o amor impera, não há vontade de poder; e onde o poder predomina, o amor está ausente.
Um é a sombra do outro."

Carl Gustav Jung

"Só aquele cuja lira luminosa ecoou nas
sombras poderá um dia restaurar seu
infinito louvor.
Só aquele que comeu papoulas com os
mortos nunca voltará a perder aquela
suave harmonia.
Mesmo que a imagem nas águas
se enevoe: Conhece e aquieta-te,
No Mundo Duplo todas as vozes
ganham eterna suavidade."

Rainer Maria Rilke - "The Sonnets to Orpheus"


"Não faço o bem que quero, mas o mal que não quero".

Romanos 7:19



Tudo o que tem substância lança uma sombra. O ego está para a sombra como a luz está
para as trevas. Essa é a qualidade que nos torna humanos. Por mais que o queiramos negar,
somos imperfeitos. E talvez seja naquilo que não aceitamos em nós mesmos — a nossa
agressividade e vergonha, a nossa culpa e a nossa dor — que descobrimos a nossa humanidade.
A sombra é conhecida por muitos nomes: o eu reprimido, o self inferior, o gêmeo (ou
irmão) escuro das escrituras e mitos, o duplo, o eu rejeitado, o alter ego, o id. Quando nos
vemos face a face com o nosso lado mais escuro, usamos metáforas para descrever esse
encontro com a sombra: confronto com os nossos demônios, luta contra o diabo, descida aos
infernos, noite escura da alma.

Todos nós possuímos uma sombra. Ou é a nossa sombra que nos possui?

"Essa sombra, eu a reconheço como coisa minha."

William Shakespeare

"A sombra do homem, penso eu, é a sua vaidade."

Friedrich Nietzsche


"Todo homem tem uma sombra e, quanto menos ela se incorporar à sua vida consciente, mais
escura e densa ela será. De todo modo, ela forma uma trava inconsciente que frustra nossas
melhores intenções."

Carl Gustav Jung

quinta-feira, junho 10, 2010



"O diabo veste-se algumas vezes de sérias razões para odiar".

Doménico Cieri


"Quando o Diabo fica silencioso, até o nome perde".

Friedrich Nietzche


"Quando o Diabo está satisfeito, é boa pessoa".

Jonathan Swift


"Existem em todo o homem, a todo o momento, duas postulações simultâneas, uma a Deus, outra a Satanás. A invocação a Deus, ou espiritualidade, é um desejo de elevar-se; aquela a Satanás, ou animalidade, é uma alegria de precipitar-se no abismo".

Charles Baudelaire

"Se Satanás pudesse amar, deixaria de ser mau".

Teresa Ávila


"O diabo pode citar as Escrituras quando isso lhe convém".

William Shakespeare