terça-feira, janeiro 12, 2010



COSMOGÊNESE


Eu era mudo e só na rocha de granito.
Por sobre a minha fronte a sombra do infinito,
Em volta a solidão,
Escuridão sem fim:
Negra como o terror, triste como Caim.
A abóbada celeste ameaçadora e bruta,
Tinha o ar concentrado, o ar de quem escuta.
A treva, espião de Deus, imensa, indefinida,
Vinha apagar a luz para espreitar a vida.
Sentia-se um olhar naquelas sombras mudas:
O olhar da consciência interrogando Judas.
Silêncio sepulcral! mudez profunda e calma!
Fechavam-se tremendo as pétalas da alma.
Corria pelo espaço um negro magnetismo...
E os vagalhões do mar no monstruoso abismo
Contavam entre si, frementes, soluçantes,
As mortes dos heróis e as lutas dos gigantes.
E eu triste contemplava os medonhos,
O surdo revolver dos monstros e dos sonhos.
Óh murmuroso oceano, ó vivo cemitério,
És a noite do assombro, a noite do mistério.
Ao latejar das tuas pulsações
Abrasam-se de fogo as bocas dos vulcões.
A vaga redemoinha, e surge um continente
Quando arrancas do peito algum soluço ingente.
Que forças colossais, magnéticas, estranhas!
Quem gera dentro de ti as ilhas e as montanhas?
Teu ventre maternal a transbordar de amor
Quem é que o fecundou, teu ventre abrasador?
Que povo misterioso, indômito, infinito
transforma a tua água em rochas de granito?
Onde reside ó mar, teu vasto coração?
Quais são as tuas leis?Quem deu a inspiração
Às correntes febris, ao turbilhão profundo
Que vai de polo a polo e vai de mundo a mundo?
Tens uma alma, tens, negro leão convulso!
Que eu bem sinto bater o sangue do teu pulso,
Bem sinto murmurar no abismo subterrâneo
As vozes do teu peito e as lutas do teu crânio.

Cismava eu assim; meus loucos pensamentos,
Mais negros do que o mar, mais livres do que os ventos,
Lançavam-se febris, como animais selvagens,
Nos sonhos, no terror, nas pálidas voragens
Do círculo fatal chamado a morte e a vida,
Floresta sem entrada e mundo sem saída.

Lancei o meu olhar pelo horizonte escuro,
E vi tremeluzir clarões fosforescentes;
Talvez um animal já podre, no monturo:

Era a cidade imensa, a meretriz das gentes.